Consequências da independência da Escócia: análise em profundidade das implicações para a economia e os mercados

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Lawrence OP, Flickr, Creative Commons

Dia 18 de setembro os escoceses vão decidir através do referendo se querem continuar a fazer parte do Reino Unido ou tornar-se independentes. As gestoras internacionais comentam as implicações económicas e políticas do “sim” (ou do “não”) de uma Escócia independente. Atualmente, a libra desvalorizou significativamente, num período de apenas uma semana, face ao dólar e o euro e vários ativos vinculados à terra de William Wallace foram alvo de venda.

 

Quatro implicações económicas, políticas e fiscais

 

Azad Zangana, economista da Schroders, indica quatro conclusões sobre as possíveis implicações do referêndum. A primeira, que o problema sobre uma divisa futura para uma Escócia independente está longe de ser resolvido. “Sob o nosso ponto de vista, os principais partidos políticos não estão a fingir quando dizem não entrar em acordo no que toca à união monetária”. Dito isto, o economista acredita que “uma Escócia independente numa união monetária com o resto do Reino Unido tem os mesmos riscos que causaram a crise da dívida soberana na Europa”. Além disso, considera que uma união monetária que não venha acompanhada de uma união política e fiscal “pode conduzir a um perigo moral e também poderá restringir severamente a liberdade económica da Escócia”.  

A segunda conclusão prende-se com a não existência de um programa claro sobre a política fiscal escocesa. “A sobre-dependência do petróleo e do gás do Mar do Norte significa que as receitas fiscais são muito voláteis, mas também que as previsões de longo prazo são parcas e portanto o prognóstico é de uma queda substancial nos lucros”, indica. Igualmente, os cofres públicos do Reino Unido iriam dar conta da perda de receitas provenientes do Mar do Norte, apesar de neste ponto o especialista salientar que grande parte do problema será contemplado no défice da conta corrente: no presente, equivale a 4,5% do PIB britânico e poderá aumentar até 5,5% ou 6,5% se se verificar a independência. Isto está associado a uma crise ao nível da balança de pagamentos, o que é muito provavelmente levará a uma depreciação abrupta do PIB.

Do ponto de vista político, Zangana constata que se poderá produzir um “desastre” entre os principais quadrantes políticos do país. De facto, considera que o Partido Trabalhista – que segundo as sondagens é o favorito para vencer as eleições de 2015 – poderá perder 16% dos seus votos, o que aumentará a probabilidade do Partido Conservador ganhar por maioria. “No momento, isto não está a ser bem visto pelos investidores dado que conduzirá quase de certeza a um referendo sobre a permanência do Reino Unido na UE e, sem a participação dos eleitores escoceses, a probabilidade do resultado do referendo apontar para uma saída da União é elevada”, afirmam da Schroders. O economista diz ainda que perante um voto negativo e não existindo uma margem significativa, o problema poder-se-á prolongar durante muitos anos, o que poderá levar os investidores a exigir um prémio de risco para lidar com instituições escocesas".

Isto conduziria, por sua vez, a uma queda do PIB britânico que a AXA IM estima em 0,25% nas previsões para 2014 e 0,75% para 2015. Desta forma, as projecções da gestora apontam para um crescimento na ordem dos 3% no Reino Unido, que ficará abaixo do valor de 2014 e ainda menor que o de 2015 a fim de se recuperar em 2016. A materializar-se este cenário, o Banco de Inglaterra optará por introduzir mais estímulos na economia britânica, apesar do evento que consideram mais provável que se materialize seja o início de um ciclo de subidas das taxas de juros no começo do próximo ano. No caso de que se verifique a independência, o prognóstico da gestora é que as taxas de juros se vão manter nos 0,5% até meados de 2016.

Igualmente, a emancipação da Escócia acarretaria alguma incerteza no que concerne ao investimento nas ilhas, debilitando o défice da conta corrente do Reino Unido, o que por sua vez exerceria alguma pressão sobre a libra esterlina… embora fosse moderado o seu cruzamento com o euro, pelo efeito de distorção do QE europeu. Poderá ainda verificar-se o contrário – uma depreciação mais evidente – no cruzamento com o dólar, aquando da subida das taxas de juro pela Reserva Federal. Nesse sentido, ao ganhar o ‘sim’ à independência, os especiaistas da gestora consideram que a libra recuaria para um nível abaixo dos 1,5 dólares no final de 2015. Relativamentos aos gilts, a previsão de materialização deste cenário é que os rendimentos vão cair entre 30 e 40 pontos base nos próximos três anos. No âmbito do mercado acionista, consideram que o FTSE 100 sofrerá um impacto reduzido dado o caracter internacional das suas cotadas, muito embora o FTSE 250, com um bias mais doméstico, possa ter impactos mais significativos. . 

Laura Sarlo, analista de dívida soberana europeia na Loomis, Sayles & Company, gestora afiliada da Natixis Global AM, explica que a exposição mais direta a este evento se dá através de investimentos em banco e obrigações britânicas. “Vemos alguma margem de subida para os depósitos perante um voto positivo, embora não consideremos que se verifique um impacto material no sector financeiro. Consideramos que poderá existir uma volatilidade adicional no mercado de obrigações soberanas do Reino Unido, apesar de não termos a visão de que um voto a favor constitua um evento materialmente negativo para a dívida soberana”, explica, ao mesmo tempo que afirma que na gestora prevêem que a dívida inglesa mantenha o seu rating AA. “Embora as agências de rating tenham indicado preliminarmente que a dívida de uma Escócia independente deveria ter um rating A, seria necessário ter mais alguma informação sobre como seria esse novo sistema financeiro de forma a poder atribuir uma classificação”, acrescenta.

Sarlo deixa ainda uma palavras sobre o impacto que pode ter este acontecimento sobre outros processos independentistas, particularmente o referendo do próximo mês de novembro na Catalunha. “A Catalunha representa cerca de 20% do PIB espanhol e o governo de Espanha tem vindo a manter alguma rigidez nas negociações com a Catalunha o que aumentaria os riscos em torno dos ativos espanhóis”, adverte.

 

Triunfa, assim, o pragmatismo?

 

Os especialistas da Amundi mostram-se pragmáticos, pois julgam que os escoceses vão ter em conta o que vão ganhar com a independência, “dado que muitos partidos britânicos prometeram mais transferências de poder no caso de ganhar o ‘não’”. Economicamente, é mais difícil chegar a conclusões uma vez que os escoceses vão ter que decidir se querem continuar a fazer parte do Reino Unido e o próprio Reino Unido poderá perguntar aos restantes cidadãos se querem permanecer na UE e se querem conservar a libra ou adoptar o euro.

A ganhar o sim, “prolongar-se-ia a incerteza já que se teriam que tomar algumas decisões difíceis antes de 24 de março de 2016, data acordada”. Além do debate sobre a moeda, também consideram que a independência desencadearia uma crise institucional, económica e financeira até que se acorde um novo quadro constitucional. Por exemplo, o precedente histórico estabelecido pela divisão da Checoslováquia em 1993, resultando na República Checa e na Eslováquia mostra que as negociações poderiam acontecer de forma pacífica, mas durar um ano ou mais.

Pelo contrário, o cenário no caso de uma resposta negativa, crêem os profissionais da Amundi, é de que “haverá muitos sinais de alívio no Reino Unido e Zona Euro, pois ficariam suspensos todos os assuntos pendentes e que estão a complicar este tema”. No entender dos especialistas da gestora, será mais vantajoso para os escoceses que triunfe esta opção, dado que a região poderá ganhar muito mais autonomia e evitar confrontações nos próximos anos.

Outra perspectiva é dada pela Pioneer Investments que coloca como cenário base um ‘não’ vencedor e vê a possibilidade de um voto ‘sim’ como uma baixa probabilidade (inferior a 20%), ou seja, o denominado tail-risk event. As sondagens recentes que sugerem que o resultado do referendo sobre a independência da Escócia será aproximado, deixou surpresos os especialistas. “Isto denota a diferença entre eleitores que sentem a responsabilidade e se registam para ir votar e aqueles que vão realmente determinar a votação. Potencialmente fará com que o resultado vá mais no sentido de uma Escócia integrada no Reino Unido”, dizem.  

Na visão da gestora, há três resultados possíveis nesta etapa, muito embora e independentemente dos resultados o impacto na força política do Primeiro-ministro Cameron já se faça sentir. Em primeiro lugar, nenhum resultado devido a uma falta de eleitores que votam, caso em que a incerteza nos mercados financeiros irá prevalecer até que outro referendo se organize. Em segundo lugar, um voto negativo que não teria impacto nos mercados e, por último, um ‘sim’ que resultaria num processo lento e longo de transição na direcção de uma Escócia independente com profundas e amplas consequências para os mercados financeiros.

As maiores dúvidas em relação a uma Escócia independente prendem-se com a gestão da política monetária e a escolha da divisa entre a libra esterlina, o euro ou até a criação de uma moeda nova o que seria, claramente, o pior dos cenários em termos de custo-benefício. A adoptação do euro, por outro lado, seria o mais favorável requerendo, primeiramente, a entrada do novo Estado na União Europeia. Perante isto, na Pioneer, vislumbram alguma volatilidade no curto prazo e impactos negativos nos mercados de ações e divisas. Nesse sentido, em termos de alocação de ativos, a entidade fechou a posição em libras face à moeda única, tirando partido da mesma, e mantendo a cobertura na exposição a ações

De que forma pode afetar as gestoras escocesas?

A resposta é dada pela Kames Capital, gestora com sede em Edimburgo. O especialista Adrian Cammidge esclarece em primeiro lugar que a entidade não tem nenhuma posição política sobre o futuro da Escócia, a pesar de deixar claro o interesse de que os participantes entendam as implicações deste evento para as empresas financeiras e seus clientes. “O nosso objectivo na Kames Capital é assegurar-nos de que continuamos a oferecer produtos e serviços de forma competitiva tanto para a base de clientes existente como para os novos no Reino Unido e Europa”.

Cammidge explica que a Kames Capital é membro do grupo de trabalho de empresas financeiras escocesas (SFE) que integra a autoridade única do mercado britânico para a indústria de serviços financeiros, no qual se trabalha para identificar e analisar qualquer tipo de problema com o qual se podem vir a deparar as empresas de origem escocesa, do sector financeiro, no caso de a independência obter luz verde. “Este grupo não tem uma agenda política, mas tem o compromisso de estabelecer os factos e entender as suas implicações para as gestoras de fundos e seus clientes”, indica o profissional que conclui dizendo que as considerações em torno deste assunto são relevantes para todas as entidades britânicas e não só para que as operam da Escócia ou têm clientes nessa região”.