Como o colapso do peso mexicano se converteu num caso de estudo para as finanças comportamentais

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cyril chermin, Flickr, Creative Commons

O forte colapso experienciado pelo peso mexicano entre janeiro e setembro de 2017 é um bom exemplo recente de como a psicologia do investidor pode condicionar enormemente o preço de um ativo, e de como no final os fundamentais acabam por voltar a impor-se a médio e longo prazo. Tristan Hanson, gestor da M&G Investments e membro da sua equipa de multiativos, explica que, na hora de investir, é importante relativizar as valorizações. “As valorizações continuam a ser um bom indicador de valorizações de longo prazo. Quando estão baratas, podem significar um potencial de crescimento superior à inflação. Claro está que há sempre uma razão para um ativo estar caro ou barato; geralmente, quando está caro é porque os investidores se apaixonaram por esse ativo, sem nenhuma razão fundamental por detrás”. O gestor explica também que “há situações em que um preço baixo não representa uma oportunidade, mas sim um risco”, daí a necessidade de um especialista para determinar se um preço em concreto significa uma armadilha de valor ou não.

Isto leva-nos a recorrer novamente ao exemplo do peso: depois de Donald Trump ter sido eleito presidente dos Estados Unidos, desencadeou-se uma fase de subida nos mercados à conta da “Trumpflation”, ou expectativa de que se cumprisse o programa apresentado pelo candidato republicano, que incluía medidas inflacionistas como o maior investimento em infraestruturas, uma ambiciosa reforma fiscal ou a implementação de mais medidas protecionistas. O problema surgiu quando os mercados começaram a colocar em causa a possibilidade de que se cumprisse uma das promessas mais polémicas de Trump, a construção de um muro na fronteira com o México, e que queria que fosse pago pelos mexicanos. Isto explica a forte queda da moeda, de quase -20%.

"Com frequência, os investidores têm pouca imaginação para visualizar um evento”, acrescenta o especialista. Explica que o colapso da moeda foi um caso claro que mostrou como os investidores “se centraram numa única variável – as promessas eleitorais de Trump – e ignoraram tudo o resto: as taxas de juro, a inflação, a produtividade… são dados que não mudaram de um dia para o outro”.

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Episode

É o tipo de situação que a equipa de multiativos da M&G descreve como “Episode”: fortes movimentos vividos por uma classe de ativos sem que haja por detrás nada que justifique o movimento, ainda que à posteriori seja objeto de muitas explicações por parte dos participantes do mercado. Outro exemplo clássico de Episode produziu-se em 2011, com o desastre nuclear de Fukushima no Japão e o tsunami posterior que atingiu o país e os seus mercados, provocando fortes colapsos nas bolsas de todo o mundo.

Para Hanson, a correção do passado dia 5 de fevereiro não foi um exemplo de Episode, pela ausência de sinais evidentes de pânico nos mercados: “Os mercados subiram muito em janeiro para depois cair em fevereiro. Não pensámos que existisse nenhum motivo fundamental neste movimento. Depois de períodos de muita calma, é normal que se produza uma grande agitação. Pode ser que, desta vez, se trate de uma reação psicológica distinta, porque muitos investidores interpretaram que se trata de uma correção sã e ainda têm confiança nos mercados”, reflete.

“Ao investir tende-se a pensar que se tem o controlo sobre os preços, mas na realidade a única coisa que se pode controlar é o nível de risco”, continua Hanson. Segundo o especialista, um exemplo claro desta falsa sensação de controlo é que “hoje muitos investidores têm mais medo de um colapso em ações do que tinham em inícios de fevereiro”.

Valorizações

A equipa de multiativos da M&G aprofunda há anos a questão das ciências do comportamento, aplicadas ao investimento (behavioural finance) para detetar as ineficiências do mercado em forma de valorizações baixas não justificadas pelos fundamentais dos ativos. O especialista esclarece que a maior fonte de oportunidades para a equipa produz-se quando existe um posicionamento muito forte de oportunidades no mercado até uma determinada classe de ativos: “Com frequência, tende-se a colocar em causa certas certezas. Se estas se materializam, apenas se notam nos rendimentos, mas se não se cumprirem, convertem-se em grandes surpresas que podem agitar o mercado”.

Neste sentido, Hanson admite que hoje se está a produzir uma alteração no posicionamento geral: “Temos que reconhecer que hoje as pessoas estão mais otimistas em relação ao crescimento mundial. Isso significa que devem ser mais cuidadosos porque é uma mudança que afeta a perceção de valorizações”.

Tendo em conta estes fatores, Hanson lança duas conclusões principais. A primeira, que “investir em obrigações consideradas como seguras pode oferece retornos muito pobres depois da inflação a longo prazo. Por exemplo, comprar hoje uma obrigação a 0,7%, quando a inflação já está próxima dos 1,5%, não oferece rentabilidade”. A segunda conclusão está ligada à primeira: “Investir hoje num cabaz de ações diversificadas a nível global ainda será um bom sítio para obter rentabilidade a longo prazo, ainda que os rendimentos já não sejam os do passado”.