Como é que o Brexit afecta a indústria de gestão de ativos?

UK
Leandro Stevens, Flickr, Creative Commons

Na milha quadrada que a City londrina representa, as empresas que ali se localizam (principalmente de serviços financeiros) pressupõem um importante motor de crescimento e riqueza para o Reino Unido. Visto que o país tem assumido o papel de coração financeiro da Europa, é lógico pensar no que pode acontecer com as gestoras de fundos neste novo cenário sem antecedentes. A Associação da Indústria de Fundos do Luxemburgo (ALFI) emitiu um comunicado no qual encoraja a indústria a “trabalhar para criar soluções práticas para implementar a saída da UE”. Para além disso, afirmam que “o impacto do voto dependerá de decisões políticas futuras e das negociações comerciais e, para evitar a incerteza e assegurar que os investidores continuam a estar tão protegidos como estavam sob a regulação da UE, é essencial que o período de negociação não seja prolongado e que se mantenha a igualdade de condições”.

Da ALFI indicam que a indústria de fundos luxemburguesa tem uma relação muito boa com a indústria de serviços financeiros do Reino Unido, e que trabalharam para manter essas boas relações. Segundo dados da associação, os fundos de investimento com domicílio no Luxemburgo cujos ativos são provenientes de gestoras britânicas representavam 16,5% do património no Luxemburgo, no final de março de 2016, o que se traduz no segundo maior montante depois dos gestores norte-americanos. “Várias gestoras britânicas de grandes dimensões fizeram do Luxemburgo uma importante parte da sua estratégia para a distribuição global de fundos de investimento, e estabeleceram importantes empresas de gestão UCITS (e AIFMD) no Luxemburgo”, recordam.

Da Associação Europeia de Fundos e Gestão de Ativos (EFAMA) declararam que dedicaram tempo “a consultar os seus membros de toda a Europa para obter feedback e reações para determinar os passos seguintes que serão necessários no curso dos acontecimentos”.

E o que pensam as gestoras?

Da Amundi os especialistas Philippe Ithurbide, responsável global de análise, e Didier Borowski, responsável de estratégia macroeconómica e análise, consideram que “as negociações em torno dos serviços financeiros prometem ser longas e difíceis, visto que são estratégicos tanto para o Reino Unido como para a UE”. Os especialistas especificam que o Reino Unido concentra quase 25% dos serviços  financeiros prestados dentro da UE, e 40% das suas exportações de serviços financeiros. O sector representa atualmente cerca de 8% do PIB britânico. “Embora não seja provável que nenhum mercado financeiro substitua Londres, a perda do passaporte europeu para os bancos britânicos provavelmente conduzirá à transferência de certos segmentos de negócio (para a Irlanda ou para certos mercados europeus)”, explicitam os especialistas.

Embora os últimos dias tenham sido mais intensos, é importante não esquecer que a campanha a favor ou contra o Brexit já tinha arrancado há quase um ano atrás. Entre as entidades mais ativas a favor da permanência estiveram várias gestoras britânicas, entre as quais a M&G Investments. Ignacio Rodríguez Añino, diretor de vendas da entidade para Portugal, Espanha e América Latina, afirma que “é demasiado cedo para determinar que impacto terá, no seu caso, o referendo na distribuição de fundos”, devido ao facto de se prever que o Reino Unido ainda poderá demorar pelo menos dois anos a sair da UE, a partir da ativação do procedimento contemplado no artigo 50 do Tratado de Lisboa.

Dito isto, Añino declara que a M&G realizou “um grande trabalho de planificação perante a possibilidade de que aconteça este desenlace”. “Temos realizado muitos avanços operacionais para fazer face à altura em que o Reino Unido sairá finalmente da UE. Já há um ano que temos vindo a trabalhar na ampliação dos nossos fundos domiciliados na Irlanda e, atualmente, esta é a nossa principal opção para minimizar os transtornos dos nossos clientes, embora tenhamos outras opções”, explica. A entidade também reforçará o seu trabalho com “os dirigentes políticos em Londres e Bruxelas para garantir toda a continuidade e as menores alterações possíveis para os investidores finais no Reino Unido e no resto da União Europeia”.

“Não esperamos que o nosso negócio no Reino Unido ou fora do Reino Unido seja afectado de forma substancial pelo resultado do referndo, embora claramente possam existir mudanças regulatórias no longo prazo”, informaram da Aberdeen. “Continuamos a centrar-nos na defesa dos interesses dos nossos clientes, acionistas e outros acionistas de referência, e monitorizaremos estreitamente as negociações para identificar qualquer problema emergente que possa necessitar de mudanças na estrutura das carteiras dos nossos clientes ou fundos”. “Temos a confiança de que seremos capazes de enfrentar o desafio que representa o resultado do referendo”, concluem da gestora escocesa.

Da Allianz Global Investors acreditam que o Brexit não terá um impacto imediato sobre o negócio. Continuaremos a servir os nossos clientes como já fizemos no passado. Acreditam que aí o maior desafio seria a mudança de regulação sobre o passaporte europeu: “A principal consideração daqui em diante será como nos afectará a saída do Reino Unido da UE; se como gestora continuamos a ser capazes de fazer uso dos acordos sobre o passaporte europeu para prestar serviços no Reino Unido”. Dito isto, consideram que o impacto de qualquer mudança sobre estes acordos “provavelmente será limitado, dado o forte papel do Luxemburgo como centro de registo de fundos na Europa”. A entidade também tem em marcha o seu projeto para introduzir os seus fundos com formato OEIC no Reino Unido.

Do ponto de vista de Giordano Lombardo, CEO e diretor de investimentos da Pioneer Investments, “a indústria de gestão de ativos e o Reino Unido e a Europa de forma holística, ressurgirão desta decisão sem que haja um grande dano permanente, muito embora no curto e médio prazo vá existir, inevitavelmente, alguma volatilidade e incerteza como repercussão do voto”. Lombardo afirma que a Pioneer está bem posicionada, visto que ao ter as principais sedes na Irlanda e na Itália não depende do passaporte para o resto da Europa.

O especialista acredita que há duas grandes considerações sobre o voto a favor do Brexit dentro da indústria de gestão de activos: o impacto sobre as carteiras dos clientes e sobre a própria indústria e os seus gestores. “Temos a confiança de que não será disruptivo sobre as carteiras dos nossos clientes, dados os passos que temos dado em termos de redução do risco e diversificação. Também temos confiança na indústria no seu conjunto”, afirma.