Chuto para a frente: BCE cria expectativas de mais QE para a reunião de março

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European Parliament, Flickr, Creative Commons

Dado o historial prévio do BCE, e o ‘tom’ dos mercados desde o início do ano, muitos investidores previam algum tipo de sinal de apoio da parte de Mario Draghi na primeira reunião do banco central em 2016. Depois do revés que a reputação do presidente sofreu na reunião de dezembro, Draghi começou o ano igual a si próprio, com uma intervenção que teve como objectivo animar os mercados: “As dinâmicas de inflação na Zona Euro continuam a ser mais débeis do que o esperado. Por tanto, será necessário rever e possivelmente reconsiderar a nossa postura sobre a política monetária na reunião de março, quando estiverem disponíveis as novas projeções macro da equipa, que também cobrem o ano de 2018”. O anúncio teve a força suficiente para ajudar as bolsas da zona euro a fechar em terreno positivo, com retornos de 1,5% para o PSI-20, de 1,97% para o Ibex 35 ou de 4,2% para o Ftse Mib italiano.

“Não configura nenhuma surpresa que o BCE não tenha anunciado nada de significativo hoje. O BCE acredita que o que estão a fazer já está a ter um impacto positivo, embora o presidente tenha deixado antever grandes indícios de que poderão existir mais medidas em março, acompanhando as rondas de previsões”, comenta Tom Laskey, gestor de Aberdeen. Para Laske, a mensagem de ontem é atribuída “ao Draghi de sempre”; pois “por um lado diz que o BCE tem vindo a fazer as coisas bem, enquanto que, por outra parte, dá a entender que poderão existir mais medidas em breve”. Contudo, o gestor considera que se poderão ver algum tipo de ampliações do programa de estímulos: “O que o BCE tem vindo a fazer pode estar a surtir efeito – o crescimento este ano na Europa é provável que se mantenha ainda relativamente robusto – mas o continente não é uma ilha. A volatilidade nos mercados refletir-se-á, de alguma forma, na Europa, e as expectativas de inflação são baixas”.

Marilyn Watson, responsável de estratégia mundial de obrigações unconstrained da BlackRock, assinala que o BCE cumpriu com a expectativa de consenso de não mudar a sua política monetária (taxas de juro em mínimos históricos, taxa de depósito negativa, compras mensais de 60.000 milhões de euros em dívida). Prefere fazer fincapé na parte do discurso na qual Draghi afirmou que os riscos de queda aumentaram por causa do crescimento da incerteza em relação às perspetivas de crescimento dos mercados emergentes, e também por causa do impacto da queda continuada do preço do petróleo sobre a inflação. “Apesar deste contexto, o comunicado saído da reunião sublinha que reavaliarão a sua posição em março, comprometendo-se, na nossa opinião, a realizar mais estímulos em 2016”, assinala Watson.

Como apontam algumas gestoras internacionais, nas últimas semanas, a queda continuada do preço do crude teve esta quota de protagonismo na última reunião do BCE por causa do seu impacto nas expectativas de inflação. É importante que a instituição não espere que esta espiral de queda seja uma questão de curto prazo. “Desde a anterior reunião do BCE, em dezembro, a inflação anual na zona euro tem caído até aos 0,2%, muito longe do objetivo do banco de 2%. Além disso, as condições financeiras globais têm-se ajustado desde o início do ano, com os preços dos petróleos a marcarem novos mínimos históricos”, indica Ana Gil, especialista de investimento da equipa de obrigações da M&G Investments. Indica que na entidade trabalham a partir de um cenário de recuperação da inflação na zona euro durante o segundo semestre, embora também observem que têm vindo a aumentar os riscos de queda precisamente devido aos preços do petróleo. Sobre se as insinuações de Draghi se vão materializar na forma de mais estímulos dentro de dois meses, a especialista opina: “O aumento dos estímulos por parte do BCE vai depender muito de duas perspetivas diferentes: se o impacto desinflacionário do baixo preço atual do petróleo acabe por ser estanque no tempo, ou se torne numa história de longo prazo”. Concluindo, refere que os bancos centrais – não só o BCE – deveriam vigiar de muito perto se acontecem sinais de que as expectativas de inflação ligadas ao consumo possam estar a desmoronar-se, porque isso poderá representar  sérios desafios a longo prazo para o crescimento económico: “Um período de quedas prolongadas dos preços pode deixar muitos negócios em dificuldades, os empregos e os salários poderão ser prejudicados e provavelmente o consumo abrandará”.

Os especialistas da Generalli também concordam que o mais preocupante das declarações de Draghi foram as referências à queda das expectativas da inflação como consequência do colapso do petróleo. A conclusão destes profissioanis é que é altamente “provável que que o BCE apresente projeções de inflação muito mais baixas na sua atualização de março”. A aposta da entidade é que a previsão para 2016 descerá para os 0,5% em termos interanuais e que a previsão para 2018 – publicada pela primeira vez – estará “claramente abaixo do objetivo do BCE, pavimentando o caminho para uma maior ação quantitativa”. Da entidade dão ainda detalhes sobre como poderá ser o novo “remendo” para o PSPP (nome formal do QE, que corresponde a Public Sector Purchase Programme). Apesar da falta de pistas de Draghi, acreditam que é possível que tente um novo corte da taxa de depósito, uma extensão ou incremento do programa atual de aquisição de ativos, e a inclusão de novos activos (obrigações corporativas). “Tendo em conta que a ação de dezembro deixou por terra as expectativas que tinham sido alimentadas através de audazes comentários na conferência de imprensa de outubro, a questão é se desta vez o BCE tomará ações que não decepcionem os mercados”, concluem.