Chegada dos REITs a Portugal permanece envolta numa bruma

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Numa conferência organizada pela IMOJURIS em parceria com a RSA Advogados, a entrada do regime dos REITs em Portugal foi o tema em destaque, regime cuja aprovação permanece envolvida em dúvidas e questões por resolver. De facto, se em 2015 a sua aprovação parecia estar mais próxima, a mudança de governo resultante das eleições legislativas adiou a chegada dos REITs a Portugal. Esta parece agora estar mais próxima (tendo sido, inclusive, aprovado o decreto-lei relativamente às SIGI), e ainda que seja possível perspetivar qual será a sua forma, é ainda cedo para ter certezas. A tarefa de elucidar os presentes sobre os possíveis desfechos coube, assim, a João Ricardo Nóbrega, sócio da RSA, e a Bruna Melo, da Ernest & Young.

Para João Ricardo Nóbrega, em primeiro lugar, existem duas possibilidades importantes relativamente à constituição destes veículos de investimento: “o recurso à subscrição pública ou não. Quando são constituídos com recurso à subscrição pública há diferenças significativas, tal como em qualquer sociedade que tem recurso a esta natureza”. Assim, no caso da subscrição pública, o sócio responsável pelo departamento de Imobiliário e managing partner da RSA refere que “não é possível criar diferentes categorias de ações, sendo que assim, parecem não existir vantagens para aquilo que são os promotores iniciais destes veículos – nos outros casos podem ter uma parte especial dos dividendos relativamente ao exercício”.

Quanto ao objeto destes veículos de investimento, estes terão a obrigatoriedade de “aquisição de direitos de propriedade, direitos de superfície ou outros direitos de conteúdo equivalente sobre imóveis, para arrendamento ou outras formas de exploração económica que inclui: (i) o desenvolvimento de projetos de construção e de reabilitação de imóveis e (ii) a sua afetação à utilização de loja ou espaço em centro comercial, ou utilização de espaço em escritório” detalha o profissional. Existe, por outro lado, a possibilidade de adquirir participações sociais de outras sociedades estabelecidas no Espaço Económico Europeu ou na União Europeia e, ainda, a possibilidade de adquirir unidades de participação de fundos.

Sobre a composição dos REITs “nacionais”, João Ricardo Nóbrega afirma que 80% deverão ser bens imóveis, sendo que, “à semelhança do que acontece no Regime Geral dos Organismos de Investimento Coletivo, as UP’s ou ações de outros veículos estão aqui contempladas”. Outro aspeto que deverá constar na proposta será a obrigatoriedade de 75% dos imóveis em carteira serem objeto de arrendamento ou outras formas de exploração onerosa. “Neste aspeto contam os espaços comerciais, escritórios, entre outros, ou seja, não tem que ser a forma clássica daquilo que é o arrendamento e isso é uma boa notícia”, avança o advogado. Por outro lado, relativamente à questão da alavancagem, ou seja, o limite de endividamento, esta deverá ficar limitada a 75% do valor total dos activos do veículo.

Numa perspetiva global, João Ricardo Nóbrega refere que permanecem várias questões por resolver. “Não sabemos ainda qual será o enquadramento fiscal, o quadro regulatório... serão estes veículos regulados? Até que ponto vai a CMVM estar ou não a cingir-se ao regime das sociedades cotadas, se vai ter poderes regulatórios ou meramente de supervisão. Estará a administração próxima ou não do regime das sociedades cotadas? De que forma irá funcionar a capitalização? Portanto, tudo isto são dúvidas que continuam por ser esclarecidas”, aponta o especialista.

Um exemplo bem próximo de Portugal: o caso das SOCIMI

Apesar das várias questões por resolver, Bruna Melo, manager da EY, procurou analisar o exemplo espanhol numa tentativa de “extrapolar” o resultado final do caso português. “Começando por falar do caso português, a nossa experiência até agora é nula, embora o orçamento do Estado de 2015 tenha contemplado uma autorização legislativa para que o governo pudesse legislar sobre esta matéria e criar a figura das sociedades de investimento em património imobiliário – na altura as SIPIs. Este foi o mais perto que estivemos desta figura em Portugal”, explica a especialista.

Sobre o caso espanhol, Bruna Melo destaca que o regime das SOCIMI em Espanha foi criado em 2009, ainda que na altura não tivesse a adesão esperada, muito por causa do regime fiscal adotado – entre 2009 e 2013 não existia qualquer SOCIMI registada na bolsa de valores em Espanha. “Os lucros destas sociedades, numa primeira fase, eram tributados à taxa normal de 19%. Na alteração de 2013, estas passaram a não ser tributadas pelos lucros das suas operações e investimentos, mas sim por um regime de tributação à saída, prevendo-se uma isenção geral dos lucros e só existia tributação quando houvesse distribuição para os investidores”, explica a profissional.

Assim, com estas alterações, em 2016 existiam 32 SOCIMIs, 52 em 2017, sendo que em 2018 contavam já com 61 SOCIMIs registadas na bolsa de valores e no mercado alternativo, “algo que demonstra o impacto que o regime fiscal pode ter nas opções de investimento”, detalha Bruna Melo.

Passando em revista aquilo que são as características das SOCIMI espanholas, a composição da carteira é, como tem que ser, maioritariamente para fins habitacionais – com maior preferência geográfica pela cidade de Madrid –, sendo que os investidores não residentes são mais preponderantes, existindo também alguns investidores particulares. Quanto ao capital social destes veículos, este é de cinco milhões de euros, tendo como objeto social principal, “e à semelhança do que se avizinha para o caso português”, a aquisição e desenvolvimento de bens imóveis para arrendamento ou outras formas de exploração. Existem, contudo, limitações relativamente à composição do ativo: “pelo menos 80% deve ser destinado para fins de arrendamento  ou outras formas de exploração, existindo a obrigatoriedade de manutenção do ativo em carteira durante, pelo menos, três anos”, explica a profissional.

Distribuição de lucros e regime fiscal

Mantendo o foco no caso espanhol, Bruna Melo destaca que a distribuição obrigatória de lucros torna as SOCIMI “um produto atrativo”, existindo também várias percentagens de distribuição obrigatória consoante os lucros do qual derivem: “Os que tenham sido distribuídos por participados da SOCIMI têm que ser distribuídos na sua totalidade pelos investidores, enquanto que, pelo menos, 50% dos lucros provenientes de mais valias da venda dos imóveis devem ser distribuídos, com os restantes a terem que ser reinvestidos em outros ativos elegíveis”, explica.

Quanto ao regime fiscal, observa-se uma distinção entre o regime da própria SOCIMI e o regime que é aplicável aos investidores. Assim, no caso da própria SOCIMI, “passando para um regime de tributação à saída, a tributação sobre os lucros da SOCIMI é nula – uma isenção geral sobre os rendimentos –, desde que sejam decorrentes do exercício do objeto social regulamentado, tendo uma taxa especial de 19% caso sejam distribuídos dividendos a investidores com participações superiores a 5% e que não sejam tributáveis na esfera destes investidores a uma taxa de, pelo menos, 10%”, começa por detalhar a especialista, acrescentando que “esta taxa de 19% acaba por recair sobre a própria SOCIMI, sempre que sejam distribuídos dividendos a investidores com uma percentagem superior a 5% e nos casos em que os investidores estejam sujeitos a uma taxa de tributação muito baixa – esta tributação não passa para o investidor, mas é uma penalização para a SOCIMI”.

Ainda sobre o regime fiscal das SOCIMI em território espanhol, Bruna Melo destaca a questão dos impostos sobre o património: “Neste regime das SOCIMI prevê-se uma isenção de até 95% do imposto que incide sobre a aquisição de imóveis (equivalente ao IMT em Portugal) e de terrenos para construção de imóveis com a mesma finalidade. Ainda assim, parece-me demasiado otimista pensar que este será replicado em Portugal”, aponta.

Do lado dos investidores, por sua vez, os residentes são tributados pelo regime em vigor em Espanha, ou seja, “as pessoas singulares são tributadas a taxas progressivas até 27%, enquanto que as pessoas coletivas são tributadas nos termos gerais a 30%”. Já os investidores não residentes são sujeitos a uma taxa de 19%, “que pode ser reduzida ou eliminada, no caso das mais valias, caso exista uma convenção para evitar a dupla tributação entre Espanha e o país onde o investidor é residente”.

O caso português: aproveitar o exemplo do país vizinho?

“Olhando para o exemplo espanhol, pode ser que muitas das características fiscais, e não só, sejam aproveitadas pelos decisores nacionais”, começa por referir Bruna Melo relativamente à implementação do regime dos REITs no território nacional, que poderão chegar através da figura das Sociedades de Investimento e Gestão Imobiliária.

Assim, “e apesar do pouco que se sabe e de ser um pouco especulativo estar a antecipar muita informação sobre estas questões”, a profissional refere que as previsões são de que a composição da carteira tenha os mesmos limites quanto ao tipo de imóveis e quanto às percentagens da composição da carteira, bem como o requisito temporal de detenção obrigatória dos imóveis por um período de três anos. Já sobre a distribuição obrigatória dos lucros, “à partida estará entre os 75% e os 95%, que eram, inclusive, as percentagens apresentadas pela proposta de 2015”, detalha.

A especialista avança, ainda, que existirá a possibilidade de conversão das sociedades anónimas em SIGI, bem como a colocação obrigatória em bolsa. Sobre as questão das conversões e de qual poderá vir a ser o regime de gestão destas figuras, Bruna Melo indica, contudo, que “se aprovação do regime e dos contornos legais deste novo veículo está envolvido numa bruma, ainda mais o está o regime fiscal que pode ser aprovado e aplicado neste tipo de veículos”. De acordo com a profissional, não é esperado que este diploma venha a prever um regime fiscal próprio: “Isto quererá dizer que, de alguma forma, se admite, ainda que seja necessário ver em que termos será feito, que estas sociedade vão ‘beber’ e aproveitar do regime fiscal que é hoje aplicável aos organismos de investimento coletivo, tendo por base um regime de tributação à saída”, detalha.