Chart of the Week - A composição do balanço das famílias portuguesas desde 1995

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Photo by Autumn Mott on Unsplash

(O Chart of the Week desta semana é da autoria de Gonçalo Lencastre Gomes, diretor adjunto da Direção de Produto e Desenvolvimento da Caixagest)

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Na apresentação a investidores publicada no passado dia 13 de abril no site da Agência de Gestão da Tesouraria e da Dívida Pública (IGCP), é destacado o facto de a riqueza líquida das famílias portuguesas ter chegado em 2016 a um novo máximo no período posterior a 1995, superior em cerca de €17bn aos valores de 2010, pré-crise soberana. Mesmo que este feito tenha sido conseguido graças ao esforço de redução de dívida ocorrido no mesmo período (€24bn), não pode deixar de ser considerado muito positivo. 

Ainda assim, a composição do património das famílias portuguesas merece alguns motivos de reflexão:

1. Os elevados valores investidos em ativos não-financeiros, justificados pelo facto de 74,9% da população portuguesa ser proprietária da casa onde reside1, o segundo valor mais elevado entre os 11 países fundadores do Euro (EU-11), apenas superado pelo da Espanha, e que compara com valores bastante mais baixos em países como a Alemanha (52,5%).

2. Portugal é o país do EU-11 em que os depósitos assumem um maior peso no património financeiro das famílias2 e, simultaneamente, em que os valores mobiliários (fundos, obrigações e ações) representam o menor peso. Tal alocação, em que ativos financeiros de curto prazo apoiam objetivos de longo prazo, penaliza de forma decisiva o retorno obtido, tendo presente as médias de longo prazo3: a nível mundial, a rendibilidade real anualizada no período 1900-2017 foi de 5,7% para as ações, 2% para as obrigações e apenas 0,8% para os ativos de curto prazo.

3. Mesmo na gestão profissional de ativos, a realidade portuguesa fica distante da internacional, refletindo a agregação de escolhas de famílias, empresas e institucionais. De acordo com o mais recente inquérito anual da OCDE4 (publicado no passado dia 12 de abril), a alocação média a ações de Grandes Fundos de Pensões era de 28,9% no final de 2015, enquanto nos Fundos de Reserva de Pensões Públicas tal valor era de 31,5% na mesma data. Os grandes investidores particulares (High Net Worth Individuals) investiam em média 31,1% em ações no final de junho de 2017, de acordo com o World Wealth Report da Capgemini5. Em Portugal, o Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social investia, no final de 2017, 13,3% em ações (de uma carteira total de €15,8bn)6, enquanto de acordo com dados da Associação Portuguesa de Fundos de Investimento, Pensões e Patrimónios (APFIPP), o investimento médio em ações era, no final de 2017, de 10,9% nas carteiras geridas pelas sociedades gestoras de patrimónios associadas (de um valor total de €57,2bn), e de 19,4% nos fundos de investimento mobiliário (de um valor total de €12,3bn), incluindo os montantes investidos em ações por fundos Multiativos. 

As decisões das famílias portuguesas sobre a alocação do seu património financeiro condicionarão de forma significativa o seu bem-estar futuro, em particular num contexto de baixas taxas de poupança (5,4% no final de 2017, perto do mínimo histórico7), de evolução demográfica negativa (com redução progressiva da taxa de substituição do último salário pela primeira pensão de reforma) e de novo contexto regulatório (DMIF II), que tenderá a reforçar a responsabilização dos investidores pelas suas decisões relativas a produtos de investimento, sobretudo em regime de Mera Execução. Sendo a baixa literacia financeira em Portugal uma fragilidade amplamente conhecida8, urge reforçar o investimento nesta matéria, tanto através do Plano Nacional de Formação Financeira (criado pela CMVM, Banco de Portugal e ASF em 2011), como de outras iniciativas que possam contribuir para o mesmo objetivo. Escolhas mais informadas serão certamente melhores escolhas!

As opiniões expressas são meramente pessoais, não vinculando a Caixagest.

 

1 Eurostat - Distribution of population by tenure status, type of household and income group - EU-SILC survey (dados de 2014)

2 European Central Bank - The Household Finance and Consumption Survey: results from the second wave - Statistics Paper Series No. 18, Dezembro 2016. Este estudo utiliza para Portugal dados do Inquérito à Situação Financeira da Famílias (ISFF), do Banco de Portugal

3 Elroy Dimson, Paul Marsh, Mike Staunton - Credit Suisse Global Investment Returns Yearbook 2018 

4 Organisation for Economic Co-operation and Development (OECD) - Survey of Large Pension Funds and Public Pension Reserve Funds 2016 (publicado em 12 abril 2018).

5 Capgemini – World Wealth Report 2018

6 Apresentação “Investimento do Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social em Dívida Pública Portuguesa - Manuel Pedro Baganha - Comissão Orçamento, Finanças e Modernização Administrativa - Assembleia da República - 12 janeiro 2018”, disponível em www.parlamento.pt    

7 Banco de Portugal – Taxa de Poupança dos Particulares (em % do Rendimento Disponível) – 4º trimestre 2017

8 Standard & Poor’s Ratings Services Global Financial Literacy Survey 2014 – Foram realizadas 150.000 entrevistas em 143 países e colocadas 5 questões simples sobre diversificação de risco, inflação, juros simples e juros compostos. Portugal aparece na posição 107, sendo o 2º país da União Europeia com pior resultado, apenas à frente da Roménia.