Breve guia para identificar se se estão a produzir excessos coerentes no mercado com um fim de ciclo

de568817de576696
Funds People Espanha; Flickr

A última vez que falámos com Clinton Comeaux foi em junho de 2017, e então previu que o ciclo económico nos EUA poderia ter ainda mais fôlego do que o refletido no preço inicialmente pelos mercados. Dez meses mais tarde, o especialista continua a declarar-se como construtivo em relação ao que é mais importante, graças ao crescimento global sincronizado e à implementação de incentivos fiscais que “deverão proporcionar um impulso no curto prazo para a economia norte-americana, embora pensemos que também se irá canalizar para os mercados emergentes”, especifica.

 Comeaux já trabalha 12 anos para a gestora americana Muzinich, que gere o fundo de high yield norte-americano Muzinich Americayield (qualificado como Blockbuster Funds People). O contexto atual, embora benigno, pressupõe uma dificuldade para o investimento nesta classe de ativo: ainda que historicamente o high yield tenha sido capaz de absorver as subidas de taxas melhor que outros ativos de dívida, as valorizações atuais são elevadas e para além disso, a classe de ativo registou reembolsos desde o início de 2018. Comeaux expõe os seus pontos de vista sobre estes e outros assuntos abaixo.

Impacto da normalização monetária

“A grande pergunta que muitos investidores se questionam, incluindo nós mesmos, é o que pressupõe a melhora da atividade económica para o contexto de taxas e para a inflação”, afirma o gestor. Embora acreditem que existam uma série de obstáculos estruturais que estão a impedir uma subida mais forte da inflação – envelhecimento da população, queda da produtividade, efeitos perturbadores da tecnologia -, Comeaux afirma que “a economia está a fazê-lo suficientemente bem  para começar a normalizar uma política monetária que funciona há vários anos”.

Posto isto, e apesar da Fed ter posto mãos à obra, o especialista considera que “está por vir uma retirada de incentivos mais generalizada e que impacto terá sobre os ativos de risco”. Quando o BCE e o BoJ subirem para o comboio da normalização será, na sua perspetiva, quando acontecerá uma situação mais crítica para os ativos de risco. “Não sei se isto irá acontecer em 2019 ou em 2020, mas parece que a Fed irá agir isoladamente este ano”, acrescenta.

Para o gestor, a chave está no facto das subidas da Fed irem ocorrer a um ritmo moderado. Recorda neste sentido que, se as quatro subidas de taxas que o banco central previu para este ano finalmente ocorrerem, irá pressupor um aumento de 100 pontos base, face à subida média de 200 pontos por ano que a Fed executou historicamente em ciclos anteriores. “Precisamos de ter em mente que este ciclo é diferente dessa perspetiva, porque a normalização monetária precisa de mais tempo”, comenta o gestor.

Esta ideia é importante, dado o ciclo anormal. Comeaux, que é um investidor veterano, explica que num ciclo normal já deveria alcançar o pleno emprego – que é para onde a tendência se dirige -, mas também ver muita pressão salarial, que, no entanto, ainda não é tão evidente. Outra característica típica do fim de ciclo é que as ações se comportam melhor que as obrigações. “Isso, sim, está a acontecer; estamos a começar a ver níveis recorde de valorizações, com PERs em níveis muito altos em relação à sua média histórica e estreitamento dos spreads corporativos até perto dos mínimos históricos”, acrescenta o gestor.

Este recorda que outra característica própria do fim de ciclo, será um aumento da alavancagem através de concessão de empréstimos bancários, emissão de instrumentos financeiros como os LBOs e aumento do investimento em indústrias que não apresentem clareza quanto às suas fontes de receitas e à sua capacidade de gerar fluxos de caixa, como aconteceu durante a “bolha dot-com”. “Não estou a ver muito disso hoje em dia”, afirma Comeaux.

Este afirma que um sinal claro de excesso será a ocorrência de uma rápida acumulação do stock de dívida. “Mas se se analisar os últimos 18 meses, na verdade, o tamanho do mercado do high yield reduziu. Isso é contraditório com uma fase final do ciclo”, afirma. O especialista refere-se ao facto do mercado de high yield ter ganho em qualidade, de forma que as obrigações qualificadas como BB mantêm hoje a mesma quota que as qualificadas como B e CCC. “Não é uma mudança tão vincada como a registada no mercado europeu de high yield, que agora é composto por 70% de obrigações BB, mas a tendência é a mesma: as empresas não estão a ser tão agressivas com os seus balanços como foram nos ciclos anteriores”, condena Comeaux.

Em contrapartida, comenta que o tamanho do mercado de dívida corporativa com grau de investimento duplicou-se na última década, até alcançar os 6 biliões de dólares, ao mesmo tempo que deteriorou a sua qualidade de crédito: se em 2008 as obrigações BBB pressupunham 30% do mercado, hoje já equivalem a metade do mercado. “Ou seja, as obrigações BBB passaram de equivaler a 700.000 ou 750.000 milhões de dólares para 3 biliões de dólares. Isso, sim, parece-me mais coerente com a parte final do ciclo”, indica Comeaux.

Outro dos comportamentos típicos de fim de ciclo é o aumento da oferta de produtos estruturados, como os CLOs. “O que é interessante é que as empresas de capital de risco reconheceram que estamos na parte final do ciclo em termos de valorizações, e querem manter a capacidade para vender ativos com valorizações elevadas”, indica o gestor. Isto explica, na sua opinião, a atividade financiadora dos LBOs de empresas provenientes do high yield ou outras partes do mercado de obrigações através do mercado de empréstimos privados, “principalmente porque um empréstimo pode-se pagar antecipado e diretamente, é relativamente rápido, enquanto que haveria um custo de brokerage se se vendesse um ativo financiado com um cupão a taxa fixa que se teria de pagar enquanto se refinancia”, especifica Comeaux.

Conclusão: “Existem sinais de fim de ciclo, mas não é um sinal de preocupação generalizada o facto de estarmos na parte final do ciclo em termos de crédito e que, por isso, nos devamos preocupar por se estar a gerar uma quantidade substancial de risco de crédito daqui para a frente”, declara o especialista.