BCE vai começar a reduzir o seu QE em 2018: primeiras reações

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Wikicommons/World Economic Forum

Mario Draghi dispõe de quase três meses para preparar os mercados para a retirada do seu programa de estímulos monetários, partindo – agora sim – de uma certeza: o tapering do BCE arrancará em janeiro de 2018, e começará com uma redução na quantidade de obrigações soberanas adquiridas de 60.000 milhões de euros para 30.000 milhões de euros até ao final de setembro de 2018, “ou até mais tarde, se for necessário, e, em qualquer caso, até que o Conselho do BCE veja um ajuste sustentável na trajetória da inflação que seja coerente com o seu objetivo de inflação”.

As letras pequenas deste anúncio são muito importantes. Em primeiro lugar, vem com o aviso de que, “se o ambiente voltar a ser menos favorável, ou se as condições financeiras se tornarem incoerentes relativamente a um maior progresso até um ajuste sustentável na trajetória da inflação, aí o Conselho do BCE estará pronto para aumentar o programa de aquisição de ativos em termos de tamanho e/ou duration”. Em segundo lugar, e seguindo o que já foi implementado pela Fed, o Eurossistema reinvestirá o principal dos títulos do seu balanço quando estes chegarem a vencimento, “durante um extenso período de tempo depois do final das suas compras de ativos e, em qualquer caso, durante tanto tempo quanto o necessário”. Além disso, as taxas de juro manter-se-ão inalteradas, bem como as principais operações de refinanciamento; no caso destas últimas (incluindo as rondas de liquidez a três meses para a banca), continuarão a ser efetuadas com uma taxa de juro fixa e manter-se-ão “durante o tempo que for necessário, e pelo menos até ao final do último período de manutenção de reservas de 2019”.

Os mercados reagiram imediatamente a seguir à publicação do comunicado da autoridade monetária: as principais referências de dívida soberana da zona euro registaram um rally, enquanto que o euro registou um forte movimento de queda comparativamente ao dólar.

A zona euro continua a depender da muleta do QE, e isto não se alterará tão cedo num futuro próximo, dada a fragilidade da pressão inflacionária e a cautela do banco central para impedir o crescimento dos preços”, comenta Martin Arnold, analista da ETF Securities. Este afirma que o euro continuará em queda, “dada a mensagem de reforço da cautela de Draghi durante a conferência de imprensa”.

O anúncio do BCE ajustou-se quase ao milímetro à previsão do consenso do mercado, que esperava que as compras mensais de obrigações fossem reduzidas para metade e que o programa de estímulos fosse ampliado durante nove meses. E, ainda que o discurso de Mario Draghi tenha sido cuidadoso, foi, quiçá, mais otimista do que se antecipou nos últimos dias. O presidente do BCE referiu-se em inúmeras ocasiões durante a sua intervenção na conferência de imprensa ao bom momento do crescimento que a zona euro está a registar, o fortalecimento da recuperação cíclica – suportada pelos bons dados macro adiantados – e a continuação da expansão económica. “O reajuste das compras de ativos reflete a crescente confiança na convergência gradual da taxa de inflação até o nosso objetivo”, comentou Draghi.

Este destacou que, agora, a maior fonte de risco downside não estava na própria zona euro, mas sim vinda do exterior (particularmente através das taxas de câmbio), e justificou a decisão de manter os estímulos, precisamente para suster estas condições favoráveis e, assim, avançar no objetivo de conseguir que a inflação permaneça nos 2% ou ligeiramente abaixo da zona euro.

Este cenário permite ao BCE continuar a atuar durante mais tempo e contribui para manter à distância uma possível primeira subida de taxas até 2019”, afirma David Simner, gestor da Fidelity International. Acrescenta, ainda, uma observação relativamente aos fatores técnicos: “ainda que o efeito líquido nos fluxos seja negativo para a dívida pública europeia, dado que as compras mensais brutais descerão, o reinvestimento das próximas maturidades atenuará em parte o efeito líquido sobre o mercado”.

Para Simner, provavelmente este ponto de viragem está a ser levado a cabo no momento adequado: “Não há dúvida de que o ambiente económico melhorou e os bancos centrais têm sido determinantes para a recuperação do crescimento em todo o mundo. No entanto, hoje em dia as ferramentas de política monetária não convencionais cumpriram, em grande parte, com o seu propósito e é evidente que já não são necessárias”. A recomendação do gestor é que “os investidores terão que movimentar-se com cautela, agora que os mercados entram numa nova fase, caracterizada por um menor apoio por parte dos bancos centrais, em relação àquele que nos têm habituado durante a última década”.

François Raynaud, gestor de alocação de ativos e dívida soberana na Edmond de Rothschild AM, considera que a decisão do BCE perpétua o cenário “lower for longer”, ao manter os estímulos – ainda que sejam em menor quantia – durante um período de tempo superior ao esperado inicialmente. Raynaud acredita, ainda assim, que, perante esta mensagem, “a reação dos mercados deverá ser limitada”.

Tobias Schafföner, analista sénior da Flossbach von Storch, afirma que a fórmula que o BCE propôs é “uma solução pragmática para ganhar tempo”. Não obstante, avisa que a única peça que não encaixa nos planos do BCE é o fortalecimento do euro: “Um euro forte significa deflação na zona euro e impede a inflação atual do nível objetivo de 2% definido pelo banco central para proteger a estabilidade de preços. Como tal, quando a taxa de câmbio conduzir à inflação, é necessário que o banco central implemente medidas relativamente a este assunto”, explica.

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