Barreiras na oferta e comercialização de produtos e serviços financeiros sustentáveis (Parte I)

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JonasSuni, Flickr, Creative Commons

Sendo a comercialização de produtos e serviços financeiros sustentáveis uma das grandes preocupações das entidades financeiras por esta altura, a CMVM sistematizou, no seu relatório síntese sobre a consulta sobre finanças sustentáveis, algumas dessas inquietações por parte dos atores da indústria.  Acompanhe, abaixo, cada um desses pontos de preocupação e as soluções apresentadas.

(i) Imprecisão e confusão conceptual, inexistência de uma linguagem comum, clara e objetiva em matéria de Finanças Sustentáveis, que criam dificuldades aos investidores e às empresas.

Solução: Prosseguir e intensificar as ações que têm vindo a ser desenvolvidas, na esfera europeia, no contexto do “Plano de Ação: Financiar um crescimento sustentável”, nomeadamente, a definição de uma taxonomia comum em torno da sustentabilidade e um quadro europeu, suficientemente uniforme e esclarecedor, que defina conceitos comuns e regras transversais de comunicação e transparência.

(ii) Falta de conhecimento por parte dos vários intervenientes do mercado (investidores institucionais, empresas, público em geral) — no contexto da (i) literacia financeira — da importância dos princípios ESG. Muitas empresas não estão ainda sensibilizadas para a adoção de políticas baseadas nestes princípios e grande parte dos investidores desconhece as vantagens e benefícios da incorporação dos fatores ESG nos produtos e serviços que contrata. Um respondente, emitente de dívida, referiu, em particular, a ausência de discriminação positiva pelo mercado para as empresas que comercializem produtos financeiros sustentáveis.

Solução: Iniciativas de sensibilização (seminários, workshops e fóruns de discussão) e de promoção do conhecimento dos cidadãos para as questões associadas à sustentabilidade, formação profissional e superior (através de parcerias com universidades) para os diferentes stakeholders e inclusão do tema nos currículos escolares e nos planos de formação destinados à melhoria da literacia financeira. Tendo em conta a proliferação de documentos emitidos e em fase de elaboração ou discussão, foi sugerido desenvolver um centro de documentação sobre estas temáticas, através da criação, por exemplo, de uma página na internet dedicada, em exclusivo, a este tópico, a qual poderia servir também como plataforma digital de troca de dúvidas e experiências.

(iii) Foco excessivo dos investidores no retorno financeiro de curto prazo e na pressão dos resultados trimestrais, uma vez que está enraizada a ideia de que os deveres fiduciários dos gestores das empresas se esgotam, ou pelo menos se devem concentrar, na prossecução do lucro.

Solução: Desmistificar a ideia de que o investimento sustentável não se coaduna com objetivos de maximização do retorno, por exemplo, através de campanhas de sensibilização e de divulgação dos resultados de estudos académicos, junto das empresas e da população em geral. Outra solução que foi apontada passaria por reconfigurar e densificar o conceito legal de “dever fiduciário”, à luz dos objetivos da sustentabilidade (por exemplo, a lei poderia tornar claro que o desprezo pelos fatores ESG — ou, pelo menos, a obtenção de lucro à custa da violação desses fatores — seria considerada uma violação dos deveres fiduciários), muito embora nem sempre esta solução reúna consenso.

(iv) O estado ainda relativamente embrionário da mensuração dos benefícios, em termos quantitativos, dos produtos e serviços financeiros sustentáveis pode resultar em ceticismo por parte dos investidores profissionais e de retalho. O longo processo de crescimento dos produtos e serviços “verdes” (e, mesmo, de empresas “verdes”), através da sua distinção por via da aplicação dos critérios de ESG, também foi indicado como possível barreira.

Solução: Promover a consciencialização dos mercados-alvo e antecipar e adaptar as estruturas e procedimentos internos, bem como a oferta de produtos por parte dos prestadores de serviços financeiros, à evolução das necessidades do mercado. Foi ainda salientado o papel das empresas fornecedoras de índices, que devem definir e avaliar o cumprimento dos critérios relevantes de forma credível, no sentido de criarem índices de referência específicos, que consigam, por um lado, capturar os efeitos específicos e benéficos de um estilo de investimento ESG, e que, por outro lado, promovam este estilo de investimento junto do vasto universo do investimento dito passivo.

(v) A oferta de investimento sustentável ainda é diminuta ou restrita, pelo que a dificuldade na comercialização destes produtos e a falta de liquidez poderá implicar que os investidores tenham de os manter até à data de maturidade.

Solução: Alargamento da base de emitentes, cabendo aos emitentes soberanos e às organizações supranacionais um papel central na dinamização do mercado. O aumento tem de ser forçosamente acompanhado por alterações profundas no seio das empresas que, enquanto possíveis emitentes, terão de atribuir um maior enfoque a estas matérias, disponibilizando produtos que se pautem, de facto, por este tipo de práticas, permitindo ao mercado uma maior diversificação dos investimentos e a mitigação de eventuais riscos de concentração.