Baluarte: “A aproximação ao ano de 2020 poderá revelar risco de recessão”

Rita González
Vitor Duarte

(Perspetivas para 2019, traçadas por Rita González, Partner - Investments, da Baluarte)

2018 ficará para a história como ano em que o ambiente de baixa volatilidade a que os investidores se habituaram na era pós-2008 terminou. A aproximação ao fim do ciclo económico, e consequente actuação dos principais Bancos Centrais mundiais, estão entre as principais causas para esta mudança de regime.

Nos últimos anos, a influência das autoridades monetárias foi determinante para a baixa volatilidade, por terem até aqui aplicado medidas de estímulo nos momentos de maior incerteza. As taxas de juros baixaram para níveis sem precedentes, facto potenciado pela expansão dos balanços, concretizada através das operações de compra de títulos em mercado (quantitative easing ou QE), proporcionando um ambiente de ampla liquidez no mercado.

Após uma década de prossecução de políticas monetárias muito acomodatícias, a gradual retirada de liquidez que se observa nos EUA e se espera na Europa, provoca grande agitação e incerteza em relação ao futuro. A este efeito junta-se a evidência de desaceleração nos principais blocos económicos. A previsível reação dos investidores manteve-nos ao longo dos últimos tempos focados na actividade dos bancos centrais, identificada como o epicentro de todos os desenvolvimentos no mercado financeiro. 

Estas preocupações foram sendo reveladas ao longo do ano que agora termina, com o optimismo inicial a dar lugar à apreensão que agora se sente. Janeiro arrancou em força, prolongando o ambiente de propensão ao risco vivido em 2017. Em Fevereiro e Março, esse sentimento rapidamente se desvaneceu, com a tomada a consciência de que cenários de forte crescimento e pleno emprego não são, por definição, compatíveis com politicas monetárias acomodatícias. Logo então se começou a desenhar o fim de uma era, afectando todas as classes de activos sem piedade.  Das acções às obrigações - tanto de empresas como de governos - todos os activos sofreram duras perdas das quais ainda tentaram recuperar até Setembro. No entanto, no início do último trimestre o Presidente Trump deu o checkmate com a sua determinação proteccionista que, aliada a já evidentes sinais de desaceleração, compôs uma tempestade perfeita.    

O mercado financeiro reflecte, assim, um ano de 2019 que promete ser desafiante do ponto de vista económico. O cenário central é agora de inflação e baixo crescimento. A economia global deverá continuar a desacelerar, ao mesmo tempo que as pressões inflacionistas se deverão tornar mais evidentes.   

Em 2018, o crescimento económico global permaneceu relativamente estável mas, contrariamente a 2017, deixou de ser sincronizado: nos EUA o crescimento manteve-se sustentado, enquanto na Europa e na China o impulso se desvaneceu.

As últimas previsões do Fundo Monetário Internacional (FMI) para 2019 (apresentadas em Outubro 2018) apontam para o arrefecimento dos países desenvolvidos e da China, embora com diferentes temperaturas.  Os EUA, em fase mais adiantada do ciclo económico, gozam de algumas atenuantes, que poderão manter a economia suportada ao longo da primeira metade do ano, com especial destaque para a força do consumo e persistência dos efeitos dos estímulos fiscais implementados em 2017. A Europa, embora em início de ciclo tem, desde finais de 2017, vindo a mostrar fragilidade, agora agravada com pesados factores de incerteza política dos quais se destacam o Brexit e Itália. Sem surpresas, a China merece particular preocupação, dado todos os últimos relatórios económicos disponíveis, oficiais e independentes, revelarem desaceleração. No que respeita aos mercados emergentes, o FMI prevê uma relativa estabilização, sendo o arrefecimento chinês compensado pela recuperação de algumas das principais economias emergentes, com especial enfoque para a América Latina.

Dada a evidência sobre o arrefecimento económico, a reflexão sobre o timing do processo de normalização das políticas monetárias torna-se inevitável. A resposta passa, naturalmente, pela evidência de aceleração dos índices de preços.

Uma das variáveis chave para o aumento da inflação é a alteração do cenário de sub-emprego, que caracterizou a era posterior à crise financeira, para um cenário de sobre-emprego, hoje existente em muitas das principais economias mundiais (EUA, Alemanha, Japão, Reino Unido). As consequentes pressões salariais, aliadas à timidez do investimento concretizado ao longo de uma década de crescimento económico, expõem agora as economias a um risco que muitos acreditavam ter sido erradicado. Esta realidade é agravada pela pressão implícita no aumento das tarifas impostas pelo proteccionismo de Trump ao comércio internacional. A abrupta depreciação de muitas das moedas dos mercados emergentes é mais uma acha para a fogueira. Assim, apesar do abrandamento económico e dos baixos preços das matérias primas, o perigo de aumento da inflação global é real.

Esta realidade impõe aos bancos centrais dois limites de actuação: o controlo dos índices de preços, sem prejuízo sério para o crescimento económico.

Nos EUA, o consenso aponta para mais três subidas de taxas por parte da Reserva Federal Norte-Americana (Fed) até atingir os 3% em meados de 2019. As variáveis de crescimento e actividade norte-americanas não deverão ser negligenciadas, devendo a Fed adaptar o seu calendário de normalização da política monetária ao sabor do clima económico. A inflação nos EUA deverá permanecer acima do objectivo de 2%, não se esperando medidas de ajustamento adicionais. A aproximação ao ano de 2020 poderá revelar risco de recessão, ao qual se espera que a Fed responda com o início de um novo ciclo de corte de taxas. 

Na Zona Euro, o Banco Central Europeu (BCE) prevê terminar o seu programa de compra de activos já no início de 2019, existindo a expectativa de uma eventual subida dos juros no início do último trimestre, concretizando o primeiro aumento no mandato de Mario Draghi. O andamento do crescimento e actividade económicos também aqui deverá ser o barómetro do ritmo de normalização da política monetária. Apesar da fase inicial do ciclo de expansão económica em que a Europa se encontra, e dos níveis de inflação estarem longe de preocupantes, a subida das taxas de juro é, por muitos, vista como imperativa, já que a sua manutenção nos actuais níveis ultra-baixos retira ao BCE o poder de intervenção em caso de contagio de uma provável recessão que a prazo se registará nos EUA.

Diferentes calendários de normalização monetária deverão projectar as taxas de juro norte-americanas para máximos antes dos outros blocos económicos. Este é um argumento a favor de um USD relativamente fraco ao longo do ano de 2019. A pressionar o USD deverão também permanecer os deficits comercial e orçamental.

Expostos os eixos fundamentais identificados para o novo ano, importa perspectivar os seus impactos sobre os activos financeiros. Apesar de desafiador, defendemos que 2019 será um ano de oportunidades. Um ano em que poderemos voltar a contar não só com boas oportunidades para novos investimentos a valores ciclicamente mais interessantes que até aqui, como também com as tradicionais correlações negativas e até descorrelações, contrariamente ao que aconteceu ao longo do penoso ano de 2018, em que todas as classes de activos caíram, deitando por terra os benefícios da diversificação.

Para as acções, as previsões são de moderado optimismo. Mantendo por enquanto o nosso posicionamento de sub-investimento, defendemos que muitos dos ajustamentos de um cenário mais adverso já estão incorporados. A este facto acresce a convicção de que as acções são, de entre as classes, as que melhores desempenhos apresentam em cenários de moderada aceleração da inflação. Contudo, as assimetrias de comportamento entre sectores e empresas terão terreno fértil para se amplificar, e a volatilidade permanecerá elevada. Só uma abordagem activa permitirá selecionar as empresas e sectores preparados para resistir. As novas tendências nas áreas tecnologicas ou ambientais, por exemplo, poderão ser vectores favoráveis à actividade de muitas empresas e sectores e arrasadores para a actividade de muitas outras.  O nível de endividamento das empresas será, entre todos os factores, o mais critico. O aumento das taxas de juro poderá inviabilizar projecções de empresas mais expostas ao ciclo de normalização da política monetária. Neste enquadramento, os EUA poderão estar sob maior pressão, enquanto a Europa poderá beneficiar de um ambiente monetário mais benigno. Mantemos assim a nossa neutralidade ao mercado norte-americano, a par de uma ligeira sobre-ponderação do mercado europeu.  Também nos mercados emergentes, a divida assume o protagonismo na análise.  Em declarada desaceleração, e no epicentro da Guerra Comercial com os EUA, a China terá ainda de gerir o exponencial aumento da divida acumulada nos últimos anos. Embora as autoridades centrais chinesas ainda disponham de uma larga amplitude de intervenção, a imaturidade do mercado reduz a certeza da sua eficácia. Mantemos por isso a nossa sub-ponderação a este mercado e, pelo seu protagonismo, para a Ásia como um todo. O ano de 2019 deverá, contudo, favorecer a América Latina, no pressuposto de que o USD se manterá fragilizado.

Relativamente ao mercado de obrigações, a 2018 - o pior ano de todo o Milénio - deverá seguir-se um ano ainda difícil, mas com oportunidades. Mantendo a nossa sub-exposição ao mercado de divida governamental e corporativa, mas acreditamos que, à semelhança da classe de acções, muitas das más noticias já foram incorporadas. No que respeita a governos, na ausência de um aumento de oferta substancial por parte do governo norte-americano, as taxas não deverão sofrer aumentos muito significativos (Treasuries a 10 anos poderão estabilizar perto dos 3%). Na Europa, as taxas de financiamento do governo alemão deverão aumentar para níveis considerados de equilíbrio a prazo (a yield do Bund alemão a 10 anos poderá aproximar-se dos 0,75%).

No mercado de crédito, a nossa preferência vai para as empresas europeias. A avançada fase do ciclo económico e monetário nos EUA, aliada a níveis de endividamento superiores por parte das empresas norte-americanas, inibe a tomada de risco excessivo neste mercado. Prevendo para a classe de obrigações um ano difícil, acreditamos que uma criteriosa selecção de emitentes injustamente afectados pela crise no mercado de crédito revelará excelentes oportunidades de investimento.

Seria de esperar que a reduzida exposição aos mercados de acções e obrigações tradicionais fosse compensada, na sua totalidade, pelos investimentos alternativos. Contudo, esta é uma classe particularmente sensível a ambientes de maior restritividade monetária e a movimentos disruptivos, como sejam as rotações sectoriais. Por estas razões, mantemo-nos cautelosos nestas estratégias, privilegiando a transparência e liquidez como elementos chave da nossa selecção.

Arrancamos para o novo ano com a liquidez sobre-ponderada, na convicção de que a actual volatilidade nos permitirá encontrar boas oportunidades num futuro próximo.