Até que ponto é suspeita a última correção das obrigações?

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jwellsrobinsonpc, Flickr, Creative Commons

Depois de um período de tranquilidade e retornos positivos, na última semana regressaram as vendas de obrigações. Tudo aponta para que esta correção tenha origem na última reunião do BCE, na qual o banco central decepcionou as expectativas do consenso do mercado. Assim, pudemos ver a yield da bund a dez anos a regressar a terreno positivo. Nos últimos dias têm sido os gilts britânicos os que encabeçaram o sell-off, seguidos das obrigações belgas, francesas e italianas.

Da Pioneer Investments, o responsável de fixed income europeia, Tanguy Le Saout, afirma que um dos movimentos mais interessantes “ocorreu no Japão, onde a curva de yields nivelou notavelmente, com a obrigação  30 anos a cotar significativamente abaixo de outros vencimentos”. O especialista acredita que “os investidores ficam inquietos com a possibilidade de este ser o começo de outro grande movimento das rentabilidades, como o infame Taper Tantrum de 2013 e a subida de quase 100 pontos base nas yields no segundo trimestre de 2015”.

São vários os perigos para a fixed income que o responsável aponta no curto prazo. Em primeiro lugar, recorda que “foram construídas grandes posições no sentido de um achatamento da curva nos últimos meses, e é possível que se revertam agora”. Em segundo lugar, comenta que “a situação técnica parece difícil em geral, com muitos mercados a romper resistências chave”. Em terceiro e último lugar, adverte que “a escala dos movimentos dos últimos dias poderá levar a um choque dos VaR para alguns investidores , levando à liquidação de posições”. A recomendação do especialista é manter uma posição curta em duration para enfrentar estas turbulências.

Mark Dowdling, co-responsável de obrigações com grau de investimento na BlueBay, também se fixa nas subidas das yields das obrigações da zona euro em volta da reunião do BCE, “mas com a oferta de obrigações a diminuir continuamente, dá-nos a impressão de que é improvável que o cenário subjacente mude materialmente neste ponto”. Ao mesmo tempo, tendo em conta a mensagem emitida pela Fed e pelo Banco do Japão nas últimas semanas, a equipa da BlueBay acredita que “os bancos centrais se estão a tornar cada vez mais conscientes dos limites do QE e de como as suas políticas também têm custos, não só benefícios”. O especialista sublinha que, neste sentido, “o achatamento da curva está a ser visto cada vez mais como um dano para a rentabilidade bancária, assim como um dano para a solvência das empresas de seguros de vida e fundos de pensões”.

De aqui para a frente, a estratégia da BlueBay estará centrada no que denominam de “os temas gémeos da política e política monetária, ao tentar determinar quanto tempo mais pode persistir o contexto atual de baixa volatilidade e apetite pelo risco”. Neste sentido, acreditam que vai ter mais influência a próxima reunião do BoJ que a da Fed, por existir mais incerteza sobre os planos da instituição nipónica: “Está claro que o BoJ está a alcançar os limites dos QE e a pergunta vai ser o que se vai passar a seguir. Achamos que num caso extremo poderá levar a uma política monetária radical, mas não acreditamos que seja o caso, por agora”, esclarece Dowdling. Por outro lado, acredita que, de momento, o BoJ imitará o BCE e optará por acrescentar novos estímulos ao pacote que está já em prática. “Não obstante, não se podem ignorar os pensamentos em torno do helicopter money e, ainda que a resposta possa residir na política fiscal, claramente está fora do domínio de Kuroda”, sentencia o especialista.

Também se pôde observar na última semana que os treasuries a 10 anos quebraram a tendência de negociar em intervalos que se tinha visto até recentemente. Segundo David Kohl, estratega chefe de divisas e economista chefe na Alemanha da Julius Baer, pode-se explicar o aumento da yield de referência até aos 1,7% no passado dia 9 de setembro “por causa dos comentários supostamente hawkish de Rosengren, o presidente da Fed de Boston, sobre a previsão das taxas”.

No entanto, Kohl descarta a ideia de que “este movimento seja um ponto de inflexão para as taxas”, preferindo interpretá-lo como “uma correção face a uma queda prévia das yields”, visto que a rentabilidade das obrigações do Tesouro norte-americano se tinha contraído muito antes do Brexit. O especialista acrescenta que “os fundamentais das obrigações, incluindo uma inflação benigna e uma atuação muito cautelosa da Fed para subir as taxas justificam que a rentabilidade do treasury a dez anos se situe entre 1,7% e 1,9%”.

Por fim, Kohl afirma que “as próximas eleições presidenciais nos EUA e a sua incerteza inerente proporcionem um factor de apoio especial para os treasuries, dado o seu papel de ativo refúgio”, pelo que preveem que a rentabilidade das obrigações a dez anos possam cair para a parte mais baixa do intervalo, em torno de 1,7%.