Até que ponto devem os investidores temer o ciclo de queda das obrigações?

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leezaRainboeveins, Flickr, Creative Commons

O fabuloso ciclo de subida das obrigações iniciou-se em setembro de 1981, quando as yields da dívida norte-americana atingiram máximos históricos. Desde então, o índice Bloomberg Barclays U.S. Aggregate gerou um retorno anual de 7,7%, com uma volatilidade de 5,6%, segundo os dados da J.P. Morgan AM. Com uma subida das taxas prevista para dezembro e outras três projetadas para 2018, cada vez há mais investidores preocupados com a possibilidade de que a normalização da Reserva Federal marque o começo de um mercado em queda para as obrigações. Samantha Azzarello, especialista de mercados globais da empresa, tem uma opinião tranquilizadora: “Ainda que seja prudente esperar retornos inferiores das obrigações daqui para a frente, parece relativamente improvável que se produza uma correção forte a este nível”.

Azzarello recorda que a Fed já não é a única jogadora no terreno da normalização monetária. A decisão de outros bancos centrais – o BCE e o BoE – de retirar gradualmente os seus estímulos irá provocar um incremento das yields das obrigações, que deverá ser lento, mas firme. “Isto irá colocar um obstáculo para as obrigações, mas o contexto da economia na parte final do ciclo e as altas valorizações das ações sugerem que há razões convenientes para manter a exposição à classe de ativos”, afirma a especialista.

Baseia-se no comportamento histórico da dívida, neste caso a norte-americana: desde 1980, o Bloomberg Barclays U.S. Aggregate apenas fechou três anos em negativo e registou em todo o período uma queda média de 3,1%. Em contrapartida, o S&P 500 gerou retornos positivos em 28 dos últimos 37 anos e a sua queda média durante o ano foi de 14,1%. Tendo em conta estes dados, a especialista conclui que, ainda que o panorama macro já não seja tão favorável para as obrigações, é improvável que se produza uma correção com dimensões semelhantes às das ações. Por isso, afirma que “as obrigações continuam a ser uma peça-chave de qualquer carteira diversificada”.

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Lucas Daalder, diretor de investimentos da Robeco, é mais moderado. A gestora acaba de publicar o relatório Expected Returns 2018 – 2022, onde englobam as previsões dos seis especialistas sobre os retornos de uma ampla variedade de ativos nos próximos cinco anos, incluindo as bunds a dez anos, para os quais estimam uma queda de 2,5%. Para o high yield, calculam uma rentabilidade de 0,25% nos próximos dez anos.

Estes prognósticos refletem a era da normalização monetária, que Daalder batiza como Quantitative Tightening (QT) e considera como “o fator mais determinante” para as yields da dívida. O diretor de investimentos recorda que os programas de estímulos sem precedentes que foram aplicados aos bancos em 2008 levaram a taxas historicamente baixas e até negativas, em conjunto com as compras recorde da dívida por parte dos bancos centrais, que atingiram 7,2 biliões de dólares.

Como resposta à possível reação dos mercados financeiros quando o QT arrancar, na Robeco optam por baixar as perspetivas para a maioria dos ativos e antecipar volatilidade no futuro. “Isto parece pior do que realmente é: as yields ponderadas de uma carteira bem diversificada apenas irão reduzir-se ligeiramente”, esclarece Daalder.

Uma tendência poderosa

Jean Bolvin, responsável de análise económica e de mercados do BlackRock Investment Institute, e Tom Parker, diretor de investimentos em obrigações sistemáticas da BlackRock, apresentam um fator adicional para explicar este contexto de yields mais altas, mas não disruptivas. Em relação às explicações tradicionais de baixo crescimento e estímulos quantitativos, ambos acrescentam um terceiro fator crítico, o aumento estrutural da aversão ao risco durante as últimas duas décadas. “Esta aversão ao risco intensifica a fome pelo sentido de segurança englobada nas obrigações soberanas muito líquidas. Essa procura por segurança leva a uma queda das taxas e comprime o a duração das obrigações”, detalham Bolvin e Parker. É por esta razão que antecipam um aumento das yields relativamente aos níveis atuais, mas mantendo-se a níveis inferiores às suas médias históricas.

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Os especialistas da BlackRock alertam que a maior aversão ao risco “levou a uma subida estrutural das poupanças preventivas”, tendência que por sua vez teve um notável e duradouro impacto sobre as curvas: “As yields a longo prazo das curvas da dívida core podem continuar baixas durante anos, o que pode ter grandes implicações para as valorizações dos ativos”. Bolvin e Parker preveem para o caso concreto da dívida norte-americana que “o potencial de crescimento será mais baixo e constante, ao manter-se os 75 pontos base de queda generalizada da curva das taxas norte-americanas intactos desde a crise”. “Do nosso ponto de vista, é fácil ver uma queda de 100 pontos base e que se mantenha a esse nível”, acrescentam.

Outro efeito da aversão ao risco é a maior procura por obrigações soberanas do G3 devido à sua sensação de “relativa segurança e liquidez”, procura com a qual os investidores têm estado a apertar o prémio de duration. “Isto pode parecer incoerente com os máximos dos índices de ações, mas os investidores estão a colocar sobre a dívida core um prémio histórico ainda mais elevado. O QE não foi o principal impulsionador, mas estes ativos são ainda mais escassos”, resumem os especialistas. Dito de outra maneira, taxas mais baixas “sugerem que a compensação do risco é alta e dá apoio a valorizações mais altas em ações”, uma situação que pode ver-se exacerbada pelos baixos níveis de volatilidade atuais.

A última observação dos especialistas está relacionada com o facto de a situação poder auto perpetuar-se: “Um mundo com dívida em níveis recorde torna mais vulneráveis uma série de atores económicos, motivando um incremento da poupança como um colchão contra choques futuros”. Concluem a sua análise, portanto, com esta previsão: “Prevemos que as yields da dívida core subam mais, tendo em conta os mínimos históricos do ano passado, mas que se mantenham em níveis inferiores a longo prazo face às médias pré-crise. Isto também sugere que a curva das taxas da dívida core será mais plana que a sua média histórica”.