Asset-backed securities: uma visão alternativa

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Cedida

(TRIBUNA de Mike Brooks, Head of Diversified Multi-Asset, da Aberdeen Standard Investments. Comentário patrocinado pela Aberdeen Standard Investments.)

Os instrumentos de dívida titularizados (asset-backed securities ou ABS), por vezes denominados “crédito estruturado”, fazem parte de um universo de “crédito alternativo”. O conceito de ABS é bastante vasto. Este termo é utilizado para descrever obrigações apoiadas, ou “garantidas”, por um conjunto diversificado de ativos, que podem ser hipotecas residenciais ou comerciais, empréstimos corporativos, empréstimos automóvel ou dívida do consumidor. Para os investidores, trata-se de uma forma de aceder facilmente a títulos de dívida com vários perfis de risco e rendimento.

Na sua essência, os ABS contam com diversas características atrativas, começando pela proteção que oferecem contra aumentos das taxas de juro graças à sua natureza de taxa variável. Depois, esta classe de ativos apresenta, no seu todo, um rendimento atrativo comparativamente a obrigações corporativas com classificação semelhante. Por fim, a forma como estes títulos estão estruturados permite que os investidores tenham flexibilidade em termos de opções de risco e rendimento.

Dada a sua relação com o subprime, ou crédito hipotecário de alto risco, dos EUA, muitas pessoas associam os ABS injustamente à crise financeira mundial. O crédito hipotecário de alto risco foi apenas um dos vários tipos de crédito utilizados para criar estes títulos. Em termos gerais, a origem dos problemas esteve na deterioração das normas de subscrição e nas suposições demasiado ingénuas acerca da sensibilidade do subprime. Os ABS compostos por outros tipos de crédito apresentaram um bom desempenho.

Enquanto classe de ativos, os ABS permitem uma exposição a vários tipos de títulos e estão estruturados de uma forma que ajuda a proteger os titulares de obrigações. Além disso, passaram a estar sujeitos a uma maior regulamentação e a sua base de investidores é, agora, mais estável.

Como funcionam os ABS e que riscos apresentam?

O primeiro passo é a criação dos ativos subjacentes, por parte de um banco ou de outro intermediário, através de empréstimos a terceiros. Em troca, obtêm um contrato para receber juros e capital ao longo do tempo. De seguida, os empréstimos são agrupados para a criação de uma carteira diversificada. Por exemplo, o intermediário pode criar um grupo de empréstimos a empresas. A este tipo de ABS chamamos obrigações garantidas por empréstimos (collateralised loan obligations ou CLO).

Depois, um veículo de investimento independente e criado para o efeito compra esse pacote ao intermediário. Este veículo é uma entidade legal distinta com o único propósito de adquirir os ativos e mantê-los separados dos do intermediário. Essa entidade emite uma série de obrigações garantidas pelo conjunto de ativos subjacente, agrupadas em tranches. Através deste processo, um conjunto de ativos ilíquido transforma-se numa série de instrumentos negociáveis. Cada série tem um nível de risco de crédito e potencial de rendimento diferente.

As tranches vão de sénior (AAA) a mezzanine (nível intermédio, entre os níveis das obrigações e das ações) e até equity. Os investidores com os níveis mais sénior são os primeiros a receber os pagamentos de juros dos empréstimos subjacentes, seguindo-se as restantes tranches de forma sequencial. Os titulares de tranches equity, por sua vez, são os primeiros a sofrer perdas em caso de incumprimento. O incumprimento afeta os outros investidores pela ordem inversa de prioridade. Os ABS também sofreram várias melhorias em termos de estrutura para proteger os titulares de obrigações mais sénior contra alterações na qualidade do crédito subjacente. A sobregarantia é uma dessas melhorias e ocorre quando o valor do conjunto de ativos subjacente excede o valor dos ABS, podendo fornecer um amortecimento em caso de incumprimento nos empréstimos ou hipotecas.

Esta proteção estrutural acarreta consequências importantes para os titulares de obrigações ABS. Por exemplo, um investidor com uma carteira de empréstimos já prevê uma pequena percentagem de incumprimento todos os anos. Um investidor de uma tranche AAA de CLO, por sua vez, não prevê perdas por incumprimento associadas ao mesmo conjunto de empréstimos, uma vez que as tranches de classificação inferior absorveriam essas perdas. O risco é inferior para quem investe em tranches AAA, mas os níveis de retorno também.

As tranches mezzanine não oferecem a mesma proteção estrutural das tranches de classificação júnior (AA a BBB), mas oferecem um rendimento mais elevado. Por fim, as tranches equity oferecem o potencial de rendimento mais elevado, mas também são as primeiras a absorver quaisquer perdas sofridas na carteira subjacente.

Já os bancos veem as vantagens da securitização refletidas ao nível dos seus balanços. A retirada dos empréstimos das suas contas deixa-os com mais fundos disponíveis, que podem ser utilizados para novos empréstimos ou para reduzir o capital que são obrigados a deter por parte das entidades reguladoras. Os investidores também beneficiam, pois passam a ter acesso a ativos que não estavam acessíveis anteriormente. Em última instância, toda a sociedade beneficia de uma maior estabilidade e eficiência no sistema financeiro. É bastante mais seguro que as hipotecas estejam agrupadas em títulos a longo prazo detidos por instituições do que garantidas pelos depósitos a curto prazo dos bancos.

A experiência na crise financeira não vai de encontro a este cenário e manchou a reputação dos ABS. A securitização do crédito hipotecário de alto risco e de baixa qualidade nos EUA esteve por detrás do colapso do Lehman Brothers e de outros grandes bancos. Apesar de os ABS relacionados com o subprime norte-americano terem contribuído para a crise, o problema tomou grandes proporções devido a uma gestão inadequada do risco por parte desses bancos. A deterioração das normas de subscrição de empréstimos, a falta de entendimento dos conflitos de interesses e as classificações de crédito imprecisas que sugeriram que o risco de incumprimento era remoto foram decisivas.

A securitização deve ser uma ferramenta para transformar o risco e aumentar a liquidez. Neste caso, não foi a ferramenta que originou o problema, mas sim a forma como esta foi utilizada. Desde então, as entidades reguladoras e as instituições financeiras já aprenderam várias lições.

Também é importante ter em conta que as perdas associadas aos ABS durante a crise ocorreram sobretudo no contexto do subprime norte-americano e em algumas áreas do mercado diretamente associadas. A crise neste pequeno segmento do mercado acabou por ofuscar o bom desempenho da maioria das categorias ABS.                 

Seguramente que a valorização dos ABS sofre em alturas de tensão no mercado, mas no que diz respeito à contribuição para a crise financeira, as obrigações são cotadas de forma muito mais conservadora e poucos investidores ficam altamente endividados. Numa situação semelhante, uma liquidação seria uma medida não tão extrema.

Importa, ainda, abordar algumas preocupações legítimas do mercado de empréstimos. A primeira prende-se com as métricas de crédito mais fracas e o menor número de condições de proteção, que se podem fazer sentir sobretudo nas tranches mais júnior das CLO. Estamos a monitorizar a situação em termos de efeitos negativos.

Para além da proteção estrutural, os ABS oferecem melhores rendimentos em relação às obrigações corporativas. Tendo em conta uma determinada classificação de crédito, os ABS oferecem um rendimento superior ao de obrigações corporativas com uma classificação equivalente. Excluindo a crise financeira, o diferencial de rendimento entre os ABS e as obrigações corporativas tem permanecido relativamente estável ao longo do tempo, o que compensa os investidores por várias características destes títulos, como a aparente complexidade, a sua associação à crise financeira/crise do suprime nos EUA e o número reduzido de gestores especializados nesta classe de ativos.

Fonte de diversificação

Cada estrutura possui uma carteira diversificada de empréstimos garantida por dívida corporativa ou por hipotecas residenciais ou comerciais. De certo modo, os fatores macroeconómicos que afetam outros ativos mais tradicionais podem afetar a carteira subjacente dos ABS. No entanto, tanto as tranches sénior como as mezzanine oferecem níveis elevados de proteção estrutural contra perdas na carteira subjacente.

No geral, a conjuntura é encorajadora para os ABS, que podem ter um papel fundamental numa carteira diversificada: os rendimentos saudáveis em oferta devem gerar bons rendimentos, caso as condições económicas se mantenham relativamente estáveis e as taxas de incumprimento por parte das empresas se mantenham baixas. Esta situação também deverá fornecer alguma proteção num cenário económico menos favorável.