As razões pelas quais a reunião do BCE pode ser crucial para os mercados

5832669035_b8bcfb725e_b
Flickr/Parlamento Europeo

Quem seguiu a atividade do BCE na última década sabe que as suas reuniões se classificam em duas categorias: as que ficam para a posteridade e as que não. Citando Mervyn King, governador do Banco de Inglaterra entre 2003 e 2013, a política monetária era, ou deveria ser, aborrecida. No entanto, e em particular desde que Mario Draghi iniciou o seu mandato em novembro de 2011, algumas das reuniões do BCE certamente fizeram história. A de hoje pode vir a ser uma delas se finalmente forem revelados os primeiros detalhes sobre o plano para retirar os estímulos quantitativos.

Juan Ramón Casanovas, responsável de gestão de carteiras privadas do Bank Degroof Petercam Spain, resume perfeitamente todas as frentes abertas com as quais o BCE enfrenta o seu compromisso mensal: “A inflação subjacente continua a ser baixa e a inflação core apenas aumenta de forma gradual. O aumento dos salários é crucial mas a pressão continua ainda a ser modesta. A recente apreciação do euro preocupa o BCE e Draghi já manifestou claramente que um euro mais forte é uma fonte de incerteza que requer vigilância”. A todos este fatores, Casanova acrescenta que “a situação na Catalunha pôs a Espanha em primeiro plano na agenda política europeia”.

Neste contexto, o BCE tem gerido cuidadosamente a sua política de comunicação: “Durante os últimos meses, as expetativas evoluíram em torno das taxas mais baixas durante mais tempo por parte do BCE, com uma quantidade mais pequena de compras mensais em conjunto com uma ampliação do programa de estímulos quantitativos”, explica David Simner, gestor da Fidelity. Agora, a previsão da generalidade é que as compras se reduzam de 60.000 milhões de euros ao mês para 30.000 milhões, mas que o programa se amplie por nove meses. “Este cenário permitiria ao BCE continuar a atuar durante mais tempo e contribuir para dirigir uma possível primeira subida das taxas até 2019”, afirma Simmer. Este recorda que, como o banco central continuará a reinvestir a dívida até à sua maturidade, o impacto negativo da redução de compras será, em parte, compensado, seguindo o precedente estabelecido pela Reserva Federal.

Apesar de toda a forward guidance que está em jogo, o especialista avisa que é provável que “Mario Draghi surpreenda com um discurso menos expansivo”. Uma vez mais, a explicação está nas dificuldades do BCE para cumprir com o seu mandato: “A inflação continua a cair e longe dos objetivos do BCE, não se observam pressões salariais e existe o risco de o euro voltar a subir”, resume Simner.

Para evitar um “bund tantrum”, o especialista acredita que durante a conferência de imprensa, Draghi estará disposto a proporcionar previsões claras. “Ainda que as compras diminuam, nestes momentos as subidas das taxas continuam a ficar muito longe e a política monetária continua a ser ultra expansiva durante um período prolongado”, conclui.

Segundo Hartwig Kos, co-diretor de investimento e um dos responsáveis de multiativos da SYZ AM, “os investidores parecem estar a prestar menos atenção aos detalhes relativos ao desenvolvimento do tapering e estão a centrar-se mais na quantidade total de compras adicionais, que atualmente se espera que estejam entre os 200.000 e 220.000 milhões de euros, quem sabe um pouco mais”. Para Kos, o mais relevante é que o BCE “tem expectativas de que não haverá aumentos nas taxas de juro futuras, mas sim a retirada de estímulos”. Dito que outra maneira, “tornar a política monetária mais restritiva, enquanto se limita o impacto do euro”.

Cenários alternativos

O especialista adverte que se Draghi anunciar amanhã um tapering inferior ao previsto, o euro irá sofrer inicialmente, mas descarta que venha a ocorrer, à posteriori, um movimento mais pronunciado. Kos recorda que grande parte da apreciação do euro é explicada pela “dissipação dos riscos políticos e do contexto económico positivo da Zona Euro”, ainda que, de acordo com o seu ponto de vista, “o maior risco de debilidade do euro erradica na realidade do lado das taxas de câmbio, em concreto com o dólar”.

Kos refere-se à surpresa hawkish da Fed durante a última reunião do FOMC – ao assinalar mais subidas nas taxas do que as esperadas pela maioria – em conjunto com a perspetiva de que Trump consiga aprovar a sua reforma fiscal. Em conclusão, Kos acredita que existe a probabilidade de que “Draghi seja ligeiramente mais restritivo do que a maioria poderia esperar”.

Axel Botte, especialista em obrigações da NAM, filial da Natixis Global AM, também apresenta um cenário alternativo ao da maioria, onde Draghi emite uma mensagem mais dovish que o antecipado, anunciando por exemplo um final aberto para o seu QE. Nesse caso, poderia piorar a escassez de títulos elegíveis para o programa de compras do BCE: “Os preços dos principais títulos (Alemanha, Finlândia, Holanda) vão subir e os rendimentos vão estender-se ainda mais para terreno negativo. Os títulos periféricos poderão sofrer pela incerteza nas políticas e na perceção de uma falta de confiança entre os legisladores. O euro deverá portanto depreciar-se outra vez e trazer de novo o medo de uma guerra de divisas (ainda que sem propósito nenhum)”, relata o especialista. A sua previsão, no entanto, está em linha com a maioria: irá ocorrer uma redução do QE e as subidas das taxas chegarão muito depois da sua finalização.

Botte aproveita para advertir que o retorno à normalidade terá um preço: “As yields atuais estão muito distorcidas pelo excesso de procura do BCE e outros bancos centrais não europeus. Eliminar o arranjo atual implica que o mecanismo de identificação de preços dos mercados seja restaurado”. O mesmo é dizer que se poderia esperar um alargamento do spread na dívida corporativa europeia à medida que o BCE venha a retirar o seu QE. Por outro lado, “a menos que o crescimento comece a debilitar-se, a qualidade do crédito deverá melhorar e definir-se-á um limite nos diferenciais do crédito”.

Botte também prevê um impacto importante para as ações europeias: “As valorizações na Europa não são grandes, mas os mercados de ações dos EUA são vistos como caros segundo uma variedade de indicadores. Por isso, esperamos um impacto moderadamente negativo nos mercados de crédito e ações”, conclui.