As ‘pedras no sapato’ criadas pelo compliance

calculadora_caneta
bradleyperry, Flickr, Creative Commons

As exigências de cumprimento normativo mudaram muito em comparação com 2008. Com a crise financeira, os reguladores começaram a prestar mais atenção à forma como se vendiam produtos financeiros ao investidor de retalho, e assim começaram a zelar mais pela sua proteção. No entanto, foi a partir de 2012-2013, quando a pressão regulatória se intensificou, que os departamentos de cumprimento normativo começaram a ganhar um maior peso nas gestoras. Segundo Gloria Hernández, advogada especializada em regulação financeira, existem dois factores que explicam este fenómeno.

O primeiro é motivado pela própria evolução das atividades que realizam as gestoras, que se têm ampliado notavelmente nos últimos anos. “Antes apenas se dedicavam à gestão de fundos e sicavs, mas agora o seu âmbito de atuação expandiu-se. As últimas modificações que foram introduzidas pela UCITS, AIFMD e MiFID permitem que as gestoras possam realizar tanto as suas atividades clássicas de investimento coletivo, como trabalhos de serviços de investimento (gestão de carteiras, consultoria em matéria de investimento, receção e transmissão de ordens...), o que requer maiores tarefas de controlo e, em última análise, mais trabalho para o compliance”.

O segundo está relacionado com a maior independência que a regulação tem vindo a exigir entre o depositário e a gestora, quando os ativos sob gestão  desta são custodiados pelo banco do mesmo grupo.

Efeitos múltiplos

Os resultados de tudo isto são múltiplos. O mais imediato é que, para as gestoras, isto implica contar com estruturas de controlo muito mais completas, o que se traduz num reforço de equipas nos departamentos de compliance. Na verdade, do IEB (Instituto de Estudios Bursatiles) reconhecem que atualmente se trata de um dos perfis de profissionais mais procurados no sector financeiro. As gestoras estão a ampliar os seus departamentos com a incorporação de profissionais especialistas na matéria. Uma delas é a Pictet AM. “As equipas internacionais de cumprimento normativo na entidade já superam as 30 pessoas, de tal forma que provavelmente a área de gestão de ativos é a que mais cresceu em meios e pessoas nos últimos anos”, revela José Daniel, diretor de serviço ao cliente da Pictet AM, em Espanha.

Por um lado, esta tendência é positiva porque reveste o investidor de uma maior segurança jurídica. Por outro, supõe um aumento dos custos operativos da gestora num contexto de pressão de margens, pelo que resta saber se estes vão acabar por ser transferidos para o investidor final. Também pressupõe um desafio para o serviço que as gestoras prestam aos seus clientes, sobretudo no que diz respeito à rapidez com que atendem os pedidos dos seus clientes. Isto já é algo notado pelas equipas de vendas das entidades.

O cliente está a ser cada vez mais exigente com a rapidez da informação que solicita, mas esta deve passar pelos departamentos de cumprimento normativo. Isto é sinónimo de demora na resposta”, assegura Beatriz Barros de Lis, diretora geral da AXA IM para Espanha. Na sua opinião, o mundo do cumprimento normativo está a tornar-se tão completo e tão árduo que está a ser cada mais difícil dar uma resposta ao cliente de maneira imediata. “Inclusive um mero e-mail tem que passar pelo departamento de compliance. A indústria torna-se cada vez mais competitiva e cada vez dispomos de menos flexibilidade”.

O que é que o compliance abarca

O dia-a-dia na vida de uma gestora, o cumprimento normativo abarca fundamentalmente três áreas: a distribuição de produtos de investimento (principalmente fundos), as atividades de marketing e o comportamento dos profissionais.

Relativamente à distribuição de fundos, esta rege-se por critérios contratuais. Cada distribuidor deve cumprir uma série de documentos que provam o seu cumprimento normativo na venda de fundos, com boas práticas e formação contínua do seu pessoal. No caso da Pictet AM, por exemplo, entre outros documentos, têm de completar o questionário Wolfsberg. O Wolfsberg Group é uma associação não governamental de 13 bancos globais fundada no ano 2000 para desenvolver standards na indústria financeira orientadas para conhecer o cliente, com o objetivo de evitar práticas de lavagem de dinheiro ou financiamento de atividades terroristas.

Outra das atividades das gestoras que está submetida ao cumprimento normativo afecta totalmente a relação com os clientes, sobretudo no que diz respeito às apresentações e atividades de marketing. Estas devem cumprir corretamente as diretivas europeias e pautas da ESMA, refletindo corretamente a realidade e as fontes de informação, evitando colocar o acento nas rentabilidades passadas.

O terceiro ponto diz respeito diretamente aos próprios funcionários das gestoras. A última regulação limita a retribuição dos gestores para evitar o incentivo da tomada de riscos excessivos e este extremo deve ser supervisionado pelo departamento de cumprimento normativo.  O compliance também controla o próprio comportamento dos funcionários da gestora, para que passem por cursos obrigatórios. O seu comportamento deve ser ético em tudo o que fazem. Por exemplo, as equipas não podem aceitar obséquios ou gratificações daqueles com os quais mantêm relação comercial (fornecedores, clientes, meios de comunicação...) e têm restringido o valor das ofertas que fazem, não podendo superar um determinado limite por ano e por pessoa.