As inquietações de Paul Read (da Invesco), gestor bestseller de fundos de obrigações

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O que é que tem preocupado Paul Read? Este gestor de obrigações da Invesco AM, está à frente do Invesco Euro Corporate Bond e do Invesco Pan European High Income, dois fundos best-seller das gestoras internacionais na Península Ibérica. Read ganhou fama involuntariamente em 2015 ao declarar que as ações ofereciam mais oportunidades do que as obrigações (ler mais). Um ano depois, a sua opinião não mudou: “Continuo a acreditar que as ações europeias vão bater as obrigações, dado este contexto de baixas taxas de juro. Não se deve subestimar a capacidade das ações de gerar rendimentos; o pagamento de dividendos tornou-se mais importante do que há 33 anos (quando começou o ciclo de subida das obrigações), enquanto que o cupão é cada vez menos importante. Está a acontecer uma mudança na estrutura da geração de rendimentos”.

Num encontro recente com jornalistas em Henley, onde a Invesco tem a sua sede na Europa, Read expôs algumas das inquietudes que o tom atual dos mercados lhe está a provocar. A primeira delas é a “intromissão dos bancos centrais”, em particular a do BCE e o seu programa  de aquisição de obrigações corporativas: “O BCE será mais um participante no mercado, é uma ação significativa para os gestores. Pode contribuir para uma distorção das valorizações, porque não acredito que o BCE vá ser um comprador sensível para os preços”.

O gestor clarifica que lhe parece que a nova ampliação do QE da autoridade monetária “é uma boa notícia, porque apoia as obrigações corporativas, mas ainda assim é um mercado caro e ao mesmo tempo as empresas estão a financiar-se muito barato, pelo que no médio prazo poderão ver-se distorções nos preços. Não é uma questão trivial, pois os números já são vertiginosos: 34% da dívida soberana europeia está a negociar com taxas negativas e 64% da dívida soberana global apresenta uma rendibilidade inferior a 1%, enquanto que as obrigações corporativas europeias investment grade oferecem um rendimento médio de 1% (dados de 28 de abril de 2016).

Read refere-se a outros efeitos secundários sobre a valorização do mercado de obrigações corporativas. Por um lado, o facto da publicação das últimas atas da Fed terem revivido a possibilidade de uma subida de taxas nos EUA em junho ou julho. O gestor não se pronuncia sobre o que pode fazer a Fed no mês que vem, mas afirma que “certamente as taxas vão estar mais altas nos EUA no final de 2016, o que vai colocar mais pressão sobre o mercado”. Por outro lado, considera que as especulações sobre as possíveis ampliações do QE e inclusive  a possibilidade dos bancos centrais lançarem dinheiro a partir do helicóptero monetário – tudo com propósitos reflacionários – vai fazer com que “em algum momento o mercado de obrigações se dê conta de qual é a agenda reflacionária e então produzir-se-á uma reavaliação desagradável”.

Também o risco político tem sido uma preocupação para o gestor da Invesco. Embora não acredite que um cenário de Brexit se vá materializar, afirma que no caso de se materializar “será um autêntico caos para o Reino Unido e para o resto da UE, e danoso para o high yield, para a dívida periférica e para os mercados  em geral”. Read chama a atenção sobre o facto de apenas três dias depois do referendo no Reino Unido se celebrarem as segundas eleições geras em menos de um ano em Espanha, com resultados incertos. O gestor admite sentir-se inquieto com o auge dos populismos na Europa e nos EUA: “São movimentos nacionalistas, contrários ao mercado livre, e isto não é bom para os ativos de risco. Talvez possa ser positivo para a dívida soberana, mas poderão ter um impacto sobre o conjunto do mercado”.

A deterioração da rentabilidade/risco

Poder-se-ia dizer que entre as maiores dores de cabeça do gestor está o incremento da assimetria de riscos, sobretudo entre os ativos refúgio: “É muito difícil encontrar fontes de rendimento, especialmente nos ativos que são considerados, regra geral, ativos refúgio. O Governo Alemão está a emitir continuamente dívida com taxas negativas e isso é uma preocupação”. Read realça que não é somente difícil obter rentabilidade em fixed income, mas também conseguir proteção: “Inclusivamente durante as fases anteriores de vendas dos mercados, as obrigações ofereciam um cupão suficiente para proteger das quedas”. Em conclusão: “A relação entre rentabilidade e risco é hoje pouco atrativa. É muito difícil encontrar pontos de entrada em obrigações”.

Estas dificuldades fizeram com que Read ficasse ainda mais consciente da sua missão na Invesco: “A nossa responsabilidade é proporcionar rentabilidades através de fundos. É uma grande responsabilidade, porque nenhuma das fontes tradicionais de rendimentos está a funcionar”. Como consequência aumentaram-se as precauções, evitando por um lado as emissões pouco líquidas e, por outro lado, mantendo níveis elevados de liquidez em carteira. Assim, o gestor indica que tanto no Invesco Euro Corporate como no Invesco Pan European High Income, a posição de liquida ascende a 15% da carteira, perto dos seus máximos históricos.

Entre as ideias em que está a apostar, destaca a dívida norte-americana com grau de investimento, algumas partes do universo de dívida high yield, alguma exposição a dívida híbrida (declara que investiu em emissões da Telefónica, Tesco e Total) e dívida de entidades financeiras. “Do ponto de vista do crédito, as carteiras estão bem diversificadas. Do ponto de vista do risco, apresentam uma inclinação mais risk on”, esclarece o especialista. No caso do fundo misto, incrementou a exposição a ações para 21% da carteira.

Prefiro advertir os investidores dos riscos que estamos a assumir. Sinto-me na responsabilidade de insistir, porque estamos encarregados de lhes fazer dinheiro. O mercado atual não tem nada a ver  com o que vivemos durante a crise de dívida soberanas; se acreditas no sistema financeiro europeu, há que assinalar que o sector está barato. O segmento high yield também está barato, assim como algumas partes do mercado de híbridos”, resume Read em modo de conclusão.