As gestoras internacionais antecipam uma iminente mudança do discurso do BCE

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Wikicommons/World Economic Forum

Dois anos e cinco meses depois do BCE começar a adquirir dívida, a zona euro finalmente mostra sinais esperançosos de recuperação: as taxas de financiamento a empresas não financeiras e a famílias caíram mais de 100 pontos base desde 2014, o PIB do primeiro trimestre subiu 0,5% trimestralmente e 2% anualizado, o PMI registou um máximo de seis anos (56 pontos) e a taxa europeia de desemprego passou dos 12% em 2013 para 9,5% em março de 2017. A todos estes fatores somaram-se a quedaa do risco político devido ao resultado eleitoral em França.

Nos últimos meses, a postura do BCE “mais do que restritiva, é mais semelhante a uma gestão de crise, ao manter a taxa de depósito em -0,4% e ter-se comprometido a continuar a comprar ativos, pelo menos até ao final do ano”, explica o Comité de Investimento da Lombard Odier. Da entidade consideram que “os dados económicos agora estão mais perto do que em outros tempos teria estado o BCE de reforçar as suas políticas”, pelo que consideram que “faz sentido perguntar quanto tempo mais é provável que dure a instância atual”.

A próxima reunião do BCE está marcada para hoje. A Lombard Odier acredita que “pode ser demasiado cedo para uma ter uma clara visibilidade da política monetária”, especialmente pelas últimas leituras da inflação, embora seja provável que “o tom comece a mudar, para refletir um perfil de risco mais equilibrado para a economia da zona euro”. Em consequência, não esperam que se produza uma mudança substancial na mensagem atual do BCE até finais do ano, assumindo que a recuperação mantém o seu ritmo atual.

David Simner, gestor de obrigações da Fidelity, acredita que provavelmente se verão na reunião de junho, “mudanças nas declarações que refletem uma visão mais equilibrada da economia por parte do Conselho de Governo da entidade”, dado que a melhoria económica oferece “argumentos para adotar uma política monetária menos expansiva”.

O gestor esclarece que o BCE simplesmente “mudará o tom de forma muito gradual”. A razão é que o comportamento da inflação não foi tão forte como o resto dos componentes da recuperação: embora tivesse registado em abril uma subida homóloga de 1,9%, os especialistas consideram que se trata de um comportamento sazonal, atribuído em parte à evolução do preço do petróleo e que também a inflação subjacente se manteve em níveis mais baixos. Além disso, acrescenta o gestor, “a revalorização do euro que temos visto desdo o começo do ano será outro obstáculo para a inflação durante os próximos meses e terá que ser integrada nas previsões e decisões futuras do BCE”.

O ritmo atual da compras, de 60 milhões de euros por mês, vai manter-se pelo menos até dezembro de 2017 e até 2018 não veremos nenhuma redução”, prevê Simner. O gestor interpreta que isto se traduz em “um apoio técnico constante e forte, com aproximadamente 500 milhões de euros de oferta líquida negativa prevista para este ano que irá manter as yields controladas”.

Em troca, Simner descarta a hipótese de uma subida das taxas de depósito antes de reduzir as compras de activos: “as condições de crédito na zona euro continuam a melhorar e uma taxa de depósito mais alta provavelmente terá um efeito limitado na disponibilidade de crédito e, em lugar disso, dará mais impulso ao euro, algo que não é desejável nestes momentos”.

A equipa de especialistas da AXA IM, composta por L. Clavel, A. Kuhanathan e O. Signori, espera que o BCE reconheça nesta reunião de junho que “os riscos na previsão económica para a zona euro estão mais equilibrados”. Também esperam que este mês seja o eleito por Mario Draghi para eliminar a tendência acomodatícia da política da instituição, como por exemplo “eliminando a referência a taxas mais baixas”. Os analistas preveem que o BCE anuncie na sua reunião de setembro uma redução das compras para 40 mil milhões e que posteriormente as reduza a 20 mil milhões para quando se recuperar a inflação a níveis sustentáveis (algo que esperam para o segundo semestre de 2018).

Os obstáculos do BCE

A equipa de analistas da AXA IM estima que o PIB cresça 1,7% em 2017 e afirmam que “os dados macro têm sido continuamente apontados para uma forte recuperação desde janeiro”. Prognosticam uma subida gradual da inflação subjacente até 1,1% em 2017 e 1,2% em 2018. No entanto, os especialistas recordam que o BCE estabeleceu uma série de critérios que deve cumprir a inflação antes de voltar a atuar: que se mantenha perto, mas abaixo dos 2% a médio prazo; que seja duradoura e que a dinâmica seja auto-sustentável em toda a zona euro. São circunstâncias que de momento não estão a ser cumpridas à letra: “a dinâmica atual da inflação não é suficiente, porque o BCE quer ver um sinal claro de inflação doméstica”, comenta a AXA IM.

Estes consideram que o requisito mais importante para conseguir a sustentabilidade da inflação – e, portanto, uma atuação do banco central – seria uma subida prolongada dos salários. “Embora o desempenho esteja a cair na zona euro e uma explicação da debilidade da inflação subjacente, resida no mercado de trabalho pouco ajustado”, indicam os especialistas.

Por outro lado, os analistas da AXA IM sublinham que o programa de aquisição de ativos do BCE “está-se a aproximar dos seus limites técnicos, porque há uma escassez de emissões  de títulos de pequenos países e, de forma mais importante, da Alemanha”. Importa recordar que, por estas limitações, o BCE teve que modificar o universo elegível do programa de dezembro, quando eliminou o limite da taxa de depósito para as aquisições e incluiu títulos de curta duração.

Nos finais de abril o banco central tinha no seu balanço 370 mil milhões de euros, repartidos em títulos maioritariamente alemães, títulos de agências alemãs e títulos regionais. Segundo estimativas da AXA IM, cada uma das classes de ativos representa respetivamente 26%, 29% e 6% dos títulos elegíveis em circulação, o que representa em consequência que “o BCE também terá que gerir o mix de dívida do Governo Federal, das agências e dos estados alemães para prolongar o QE”.