As gestoras de ETF estão a ser transparentes na operação de empréstimo de títulos?

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Gustavo Boaventura, Flicker Creative Commons

À medida que as comissões de gestão de muitos fundos indexados e ETF convergem para níveis próximos do zero, a contribuição do empréstimo de títulos para a rentabilidade foi adquirindo uma maior relevância. Estes retornos adicionais que os fundos de gestão passiva obtêm por esta via podem compensar os custos do produto, em benefício dos participantes. É uma prática habitual muito difundida entre os provedores de ETF que, no passado, geraram uma grande controvérsia pelo risco que a operação do empréstimo de títulos representa.

“O empréstimo de títulos acarreta riscos, mas estes são hoje menores do que no passado. O aumento da regulação reduziu o risco de perdas dos investidores de ETF e fundos indexados. Os benefícios de fazer empréstimo de títulos superam os riscos. Dito isto, as comissões dos fundos, a construção de carteiras e os próprios índices têm uma influência muito maior no resultado dos investimentos destes produtos do que a rentabilidade gerada pelo empréstimo de títulos”, explica Adam McCullough, analista da Morningstar. A questão que muitos investidores colocam é se os provedores de ETF estão a ser transparentes ao fazer esta operação.

A ESMA publicou uma série de diretrizes em torno do empréstimo de títulos, entre as quais estabeleceu que os provedores ficavam obrigados a devolver todos os rendimentos gerados por esta prática uma vez descontados os gastos operacionais. “O que a Autoridade Europeia de Mercados e Valores” não fez foi definir o que constitui um gasto operacional, nem estabeleceu um topo máximo. O resultado é que cada gestora interpreta livremente o que é e o que custa e, portanto, todos cumprem a regra de devolver todos os rendimentos uma vez descontados os gastos operacionais”, sublinha José García Zárate, diretor associado e analista de fundos passivos da Morningstar.

Efetivamente, não há um número exato sobre a percentagem de retorno que se obtém por esta via de empréstimo de valores e que são transferidos aos detentores dos produtos. Varia em função do provedor e da categoria. Na bolsa americana, uma das categorias analisadas pela Morningstar, oscila entre os 98,2% da Vanguard e os 69,2% da BlackRock. No que diz respeito às ações internacionais, o ponteiro mexe-se entre os 93,4% da Vanguard e os 74,1% da WisdomTree.

A questão é que toda a informação sobre o que se empresta e o que se obtém, pela operação do security lending está ao alcance de qualquer investidor, já que são os próprios provedores que os publicam (geralmente nas suas páginas web, como faz a BlackRock).

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A figura do agente

A maioria dos agentes com os quais as gestoras realizam o empréstimo de valores aplica uma divisão de rendimentos entre as classes de ativos. Por exemplo, os agentes de empréstimos de títulos da Invesco aplicam um corte de 10% dos rendimentos brutos dos empréstimos para todos os produtos (ações e obrigações). A Fidelity e a BlackRock fazem-no de forma diferente.

A primeira utiliza um agente de empréstimos de valores externo, a Goldman Sachs, para os seus fundos de ações. Os detentores de fundos de equity da Fidelity ficam aproximadamente com 90% dos rendimentos brutos gerados pelo empréstimo de valores. Para os seus fundos de obrigações, a Fidelity administra o seu próprio programa de empréstimos de valores e transfere 100% dos rendimentos brutos obtidos por esta via aos participantes, segundo dados da Morningstar.

Por sua vez, a BlackRock utiliza um sistema de preços por níveis, baseado na classe de ativos e na quantidade de rendimentos gerados por esta via. A entidade transferiu menos de 70% dos rendimentos gerados por empréstimo de valores para os detentores de fundos de ações americanas e quase 80% aos participantes dos seus fundos de equity internacional e obrigações.

Na gestora dispõem de uma equipa que se encarrega da operação diária de empréstimo de títulos. Em função do veículo ser americano ou europeu UCITS, a política é diferente. No caso dos veículos UCITS, dos benefícios derivados da prática de empréstimo, 62,5% são reinvestido em ETF e 37,5% são utilizados para cobrir os custos derivados desta operação.

Como é que o empréstimo de títulos impacta as gestoras?

“Quando as gestoras contam com agentes de empréstimo de títulos nas suas equipas, a parte dos retornos derivados do empréstimo que cobre o serviço permanece dentro do grupo. Além disso, em alguns casos, as gestoras admitem alguns gastos derivados da gestão do dinheiro utilizado como colateral, de uns pontos base. Até é possível que esse dinheiro se invista em fundos monetários, que possam ser da mesma empresa”, revela Carlos Fernández, professor de mestrado em International Finance do IEB.

Por outro lado, a devolução da liquidez de rendimentos aos próprios fundos gera melhorias significativas na rentabilidade destes produtos. Se pensarmos que o objetivo de um ETF é replicar o índice, tudo o que possam poupar nos gastos de gestão para melhorar a sua competitividade é claramente uma oportunidade.

Tomemos como exemplo o caso do ETF da BlackRock, o iShares Russell 2000 ETF. Este fundo teve a sorte de contar na sua carteira com ações que foram das mais procuradas durante os últimos anos por fornecedores. Assim, o fundo gera aproximadamente 20 pontos base no retorno, derivados do empréstimo de valores, enquanto a sua comissão de gestão é de 0,19%. Portanto, podíamos dizer que o impacto líquido para o cliente é como se estivesse a investir num ETF que lhe oferece um ponto base por investir”, refere o especialista.

É essa a razão pela qual é importante que os investidores considerem não só a comissão de gestão, mas os rendimentos derivados da atividade de empréstimos de valores. Assim, é possível que às vezes ao comparar ETF distintos, decidamos escolher o fundo com uma comissão de gestão mais baixa, sem ter analisado outros aspetos, como a política de empréstimos das entidades comparáveis ou o tipo de réplica. Um TER maior de um ETF sobretudo não significa que o produto vá ter um comportamento relativo pior do que os fundos cotados comparáveis que apresentam rácios de gastos totais inferiores. Isto é influenciado pelo facto de que os três ETF sobre o S&P 500 com um TER mais elevado são, precisamente, os que melhores rentabilidades obtiveram nos últimos cinco anos.

“Em geral, as gestoras de ETF são transparentes sobre os custos e a operação realizada, e costumam oferecer informação bastante completa sobre o que um investidor pode esperar do empréstimo de títulos. Será caso para perguntar porque é que não temos mais transparência sobre esta operação na gestoras tradicionais de fundos ativos. Estão a emprestar valores? Em que percentagem das suas carteiras? Se o fazem, o serviço é prestado por uma empresa que faz parte do grupo ou não? Que porção dos rendimentos desta atividade é recebida pelos fundos’”, sublinha Fernández.