Artur Vieira, CFA (Tree Family Office): "2020 será positivo, mas não excepcional"

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Acreditamos que o ano de 2020 será positivo para as classes de ativos tradicionalmente mais arriscadas, contudo menos compensador do que 2019. O ano transato ficará nas nossas memórias como uma boa surpresa pelo desempenho excecional da maioria das classes de ativos, algo difícil de antecipar há um ano, mesmo nas visões mais otimistas.

Os drivers que impulsionaram os mercados em 2019 dificilmente se repetirão em 2020. Por um lado, o expansionismo monetário dos bancos centrais, ainda que presente, não deverá ser tão determinante, e por outro, os principais riscos que não cessaram no ano transato, irão provocar novos desafios em 2020.

Estados Unidos

A economia norte-americana tem vindo a perder algum dinamismo, mas continua em melhor situação do que a maioria dos países desenvolvidos. Graças a uma situação de pleno emprego e à subida dos salários, os americanos demonstram capacidade de consumir e poupar.

Ainda na vertente interna, em ano de eleições, os Estados Unidos deverão manter-se no centro das atenções dos mercados a nível global. Apesar de não nos parecer que a reeleição/ não reeleição de Trump vá ter uma influência significativa na economia nos próximos anos, uma mudança de presidente poderá ter um efeito importante no desempenho do mercado acionista no curto prazo.

Na vertente externa, a guerra comercial sino-americana deverá continuar a marcar a atualidade em 2020, já que parece improvável que a primeira fase do acordo alcançado em dezembro resolva as tensões subjacentes entre os dois países. Já no início do novo ano, com a crise do Irão, o presidente Trump parece sinalizar o seu empenho em criar manobras de diversão externas para mudar o foco de casos potencialmente penalizadores para a sua imagem, como é exemplo a recente tentativa de destituição do presidente por parte do Congresso. 

No que respeita a política monetária, que impactou positivamente o desempenho das ações e obrigações em 2019, não acreditamos que a Reserva Federal surpreenda o mercado, sendo expetável que mantenha uma política acomodatícia, mantendo as taxas de juro próximas dos níveis atuais. Em especial porque não existem pressões inflacionistas e espera-se crescimento económico, ainda que reduzido.

Zona euro

No primeiro semestre de 2020, a Zona Euro deverá continuar a debater-se com um crescimento anémico, enquanto as economias alemã e italiana permanecem próximas da recessão, a inflação da Zona Euro permanece bem abaixo da meta dos 2%, dando espaço para o Banco Central Europeu (BCE) intervir através de uma política monetária expansionista. Perante a crescente incerteza e para garantir que o crédito continua a fluir, o BCE agora com Christine Lagarde ao leme, deverá voltar sem grandes surpresas à fórmula do passado recente da compra de ativos, só que em maior escala. Os governos têm ainda à sua disposição políticas fiscais e orçamentais, todavia não esperamos a apresentação de medidas com impacto profundo nas economias, dadas as restrições orçamentais para reduzir receita ou aumentar a despesa.

O panorama económico na Zona Euro deverá melhorar ligeiramente na segunda metade do ano, mas qualquer recuperação será ainda abaixo do desejável. As tensões comerciais, ainda por resolver, não facilitarão o cenário para a maioria dos países dependentes das exportações. Apesar das perspetivas pouco animadoras e das apreciações recentes do mercado acionista, consideramos que as ações da Zona Euro se encontram a um preço relativo atrativo.

Reino Unido

Durante o longo período de negociação sobre os moldes para uma saída “limpa” do Reino Unido da União Europeia, com avanços e recuos no parlamento, mudanças de primeiro-ministro e uma eleição geral, a economia britânica mostrou-se surpreendentemente resiliente. Agora com a maioria parlamentar assegurada por Boris Johnson, a novela do Brexit parece finalmente ter o fim anunciado.

Contudo, os desafios para o novo governo são grandes, entre estes, chegar a um acordo para um Brexit que agrade a todas as partes, sem perder a união entre os países constituintes do Reino Unido, e revitalizar a economia num contexto de comércio internacional desafiante. Neste capítulo, o pacote de estímulos fiscais previsto no orçamento deverá promover um crescimento mais forte no curto prazo. Antecipamos um cenário positivo para os desafios aqui apresentados e a concretizar-se, devermos ver o mercado acionista recuperar da divergência criada ao longo dos últimos anos, face a alguns mercados desenvolvidos.

Japão

Em 2019 a política monetária agressiva do banco central tirou o país de um ciclo de recessões recorrentes e permitiu um nível de crescimento pouco visto no Japão das últimas décadas, mas que  não foi suficiente para criar uma dinâmica de crescimento sustentado. Num esforço para manter a expansão económica, o novo programa de despesas orçamentais​ é um dos mais ambiciosos desde a crise financeira de 2008.

Ainda assim, a terceira maior economia do mundo continua sem solução para alguns dos seus  desafios, nomeadamente uma evolução demográfica desfavorável que limita o consumo e o potencial do país. Pela positiva, o iene permanece subavaliado face ao euro e os ativos nipónicos beneficiam de um estatuto de refúgio em momentos mais conturbados.

Por sua vez, a bolsa de Tóquio é maioritariamente constituída por grandes empresas multinacionais com uma exposição global que se distinguem por terem um elevado investimento em investigação e desenvolvimento dedicado à robotização e à inteligência artificial. Esse fator, aliado ao baixo desemprego no Japão e à vontade das autoridades em fazer reformas para melhorar a competitividade do país, deverá melhorar as perspetivas de médio e longo prazo para as empresas japonesas.

China

Por esta altura, Pequim parece concentrar-se mais nas medidas de apoio à atividade doméstica em detrimento de reformas indispensáveis. Neste capítulo acreditamos que as políticas governamentais  favorecerão estímulos fiscais, enquanto a política monetária deverá ser ainda mais expansionista. Ou seja, o futuro económico será preterido a favor de estímulos ao crescimento a curto prazo nos próximos trimestres. O risco é que poderão amplificar desequilíbrios pré-existentes, nomeadamente, o endividamento e o sobreinvestimento.

No capítulo externo, a nuvem da guerra comercial deverá continuar a pairar sobre a economia chinesa, porém acreditamos que os Estados Unidos terão pouco espaço para pressionar com mais tarifas e criar impactos irreversíveis.

A economia chinesa deverá ainda assim crescer 6% em 2020, bastante acima das economias desenvolvidas, porém esta será a menor taxa de crescimento desde 1992. Mantemo-nos cautelosos relativamente ao investimento no mercado chinês, monitorizando  sinais de estabilização na economia doméstica da China no primeiro semestre de 2020 e os desenvolvimentos da guerra comercial.

Economias emergentes

Num mundo de baixo crescimento, os mercados emergentes poderão ter um papel diferenciador no retorno da carteira, podendo proporcionar oportunidades interessantes. Contudo, nem todos os mercados emergentes são vencedores, por isso a seletividade será fator determinante para o sucesso. Em especial, no nosso radar estarão:

México

Apesar de uma situação económica conjunturalmente um pouco mais difícil, a economia mexicana tem potencial de longo prazo, pelo que consideramos que a bolsa mexicana sido demasiado penalizada. Pela positiva assinalamos ainda a crescente sensibilidade do governo mexicano para as suas relações com os mercados financeiros e o facto de o país continuar a ter relações comerciais privilegiadas com os Estados Unidos, o que torna o país atrativo em termos de investimento estrangeiro.

Indonésia

O potencial económico do país é enorme, com uma demografia em crescimento, mão de obra gradualmente mais qualificada, um elevado nível de exportações, e um bom nível de produtividade empresarial. Embora o seu crescimento económico não atinja os níveis da China ou da Índia, é suficientemente forte para gerar bons retornos acionistas e com um menor nível de volatilidade que outros mercados emergentes.

Rússia

Apesar do elevado nível de risco económico e político, consideramos que o seu retorno esperado é compensatório, com um dividend yield próximo de 7%. A melhoria das infraestruturas, educação e saúde em curso aumentam o potencial de crescimento da economia russa. A presença deste mercado numa carteira de investimentos faz igualmente sentido numa perspetiva de diversificação.

Em resumo, esperamos uma rentabilidade menor em 2020 do que a alcançada em 2019, para todas as classes de ativos. A forte valorização da dívida ficou para atrás e o seu comportamento deverá regressar ao normal nesta fase do ciclo. A par disso, esperamos ganhos nos mercados acionistas à medida que as perspetivas económicas melhorem, ainda que num ambiente, por vezes, bastante volátil.

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