André Themudo: “A política monetária da Fed entrará em terreno mais neutral em 2019”

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Cedida

Terminado o ano de 2018, é tempo de olhar em frente para tentar compreender o que o futuro nos reserva. Foi, precisamente, isso que André Themudo, da responsável de negócio da BlackRock em Portugal, procurou fazer numa entrevista à Funds People, na qual apresentou as perspetivas da entidade gestora para este ano.

Contudo, olhar para o futuro sem olhar para o passado é algo que pode ser pouco produtivo, pelo que André Themudo começa por caracterizar o ano transato, o qual considera ter sido “um cenário raro”. Isto porque “entre 1991 e 2018, este foi o segundo ano em que as rentabilidades das principais classes de ativos (ações e obrigações) foram negativas”, algo que se tinha verificado apenas em 2015. Dito isto, o especialista destaca que a entidade não prevê que este cenário se mantenha, sendo que o cenário central para 2019 é que o ano trará “retornos positivos mas moderados tanto para as ações, como para as obrigações”.

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Tendo por base este cenário, na BlackRock mantêm a preferência por ações em detrimento de obrigações, embora com uma convicção mais reduzida. De facto, o abrandamento do crescimento económico global, aliado a um crescimento mais moderado dos resultados empresariais estão entre as razões do “otimismo comedido” da entidade. Assim, “há uma desaceleração do crescimento, mas vemos ainda boas perspetivas, principalmente no mercado americano e emergente”, resume André Themudo, deixando antever quais são as regiões favoritas da entidade.

Os Estados Unidos deverão manter a “pole position” no que diz respeito aos mercados desenvolvidos, apresentando um desempenho superior aos seus mercados pares, com a China a estabilizar de forma suave e mais comedida, “suportada pelas medidas do governo, com estímulos fiscais e monetários”. Numa visão mais global sobre os mercados emergentes, André Themudo refere que “os mercados emergentes deverão apresentar um crescimento mais robusto dos resultados empresariais, na ordem dos dois dígitos”. Na Europa, por outro lado, a BlackRock mantém a sua posição subponderada: “Existem factores que nos preocupam, como é o caso dos resultados empresariais e questões geopolíticas, pelo que consideramos que o risco que estamos a assumir não compensa pelo retorno esperado”, explica o profissional.

Política monetária da Fed a entrar em terreno neutral

Ao contrário do que se verificou no ano passado, 2019 será um ano no qual a Fed vai ser muito menos previsível nas suas subidas, com a política monetária a entrar numa zona mais neutral. “Se há uns meses antecipávamos que iriam existir três subidas de taxas em 2019, neste momento acreditamos que haverá apenas uma”, defende André Themudo, acrescentando que a Reserva Federal Americana irá “navegar com muito mais cuidado estas subidas, entrando numa fase na qual a sua política monetária vai depender muito mais de dados económicos do que de outros temas”.

Esta “nova” abordagem da política monetária norte-americana poderá, por isso, contribuir para um ano mais positivo para os mercados emergentes – sempre bastante expostos às ações da Fed. Esta é a visão da BlackRock: “Acreditamos que os mercados emergentes têm espaço para surpreender positivamente devido não só a este abrandamento da política monetária dos Estados Unidos, mas também pelo facto de alguns temas estruturais – como o caso da Argentina ou Turquia – terem sido já descontados no ano de 2018”, detalha o profissional.

Ainda assim, e porque “cada mercado emergente é um mundo”, entre os três blocos emergentes – Europa Emergente, América Latina e Ásia –, o mercado asiático surge como o favorito da entidade, em particular o mercado chinês. Acreditam, assim, que podem existir algumas oportunidades na China, “que é um claro motor de crescimento e que tem um peso enorme nos mercados emergentes, e, por conseguinte, na economia global”, refere o profissional.

Aposta nos extremos do espectro de investimento

Olhando para o contexto atual, o principal risco apontado pela entidade é o crescimento do receio de uma recessão global. Assim, e embora a entidade não esteja a descontar a existência de uma recessão em 2019, tendo em conta o crescimento da volatilidade nos mercados, a visão de investimento insere-se nos extremos do espectro de investimento. “Tentamos evitar tudo o que tenha um comportamento mais assimétrico em termos de rentabilidade e risco, apostando naqueles ativos com maior risco mas com potencial de retorno também superior e em investimentos mais conservadores”, explica André Themudo.

A aposta da entidade mantém-se pelo investimento em ações em detrimento de obrigações, com um “binómio risco/retorno mais contido”. O posicionamento mais conservador da BlackRock para 2019 privilegia, assim, o investimento em obrigações investment grade, dentro do segmento obrigacionista, e o investimento em mercados emergentes e bolsa americana, no espetro das ações. Continuam, por outro lado, positivos “em investimentos mais alternativos que possam mitigar quedas de mercado e que possam ter o objetivo de retorno absoluto, alcançando, em qualquer ambiente de mercado, rentabilidades positivas”, destaca o profissional.

A visão de mercado da entidade reflete-se também no investimento factorial, privilegiando o factor quality – empresas mais estáveis e com fundamentais mais sólidos –, “que pode ser uma boa estratégia para mitigar volatilidades crescentes”, refere André Themudo. Outro factor para o qual estão a olhar com mais atenção é o value, uma vez que 2019 poderá ser o “ano da volta ao value”.

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“Olhando para o mercado norte-americano e comparando as ações value e o seu período de queda, vemos que, normalmente, à volta dos 15 ou 20 meses posteriores a uma queda há um rebound e estas voltam a subir”, explica André Themudo.

As obrigações soberanas são, por outro lado, uma das classes de ativos nas quais estão menos positivos, uma vez que estas ainda não oferecem grande valor. Ainda no mundo das obrigações, o especialista avança que o mercado de crédito pode ser perigoso, pelo que preferem o segmento investment grade.