Algumas reflexões sobre as últimas medidas anunciadas pelo Banco de Inglaterra

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@Doug88888, Flickr, Creative Commons

Depois do histórico anúncio do Banco de Inglaterra (BoE), as gestoras internacionais continuam a digerir o agressivo pacote de medidas anunciado como resposta ao Brexit. A obrigação britânica a 10 anos retrocedeu significativamente nos últimos dias, e o spread das obrigações a dois e três anos entrou em terreno negativo, com a yield a dois anos a superar a maturidade a três anos, reflexo mais do que evidente da forte procura das obrigações britânicas alentada pelo BoE. Luke Hickmore, gestor da Aberdeen, afirma que “vai ser um desafio manter as obrigações britânicas a longo prazo como o banco central quer”.

Refere-se ao facto “de grande parte das emissões dos últimos quinze anos estarem nas mãos de fundos de pensões, e Liability Driven Investment (LDI). Mantêm-nos simplesmente para fazer coincidir os passivos, cujo valor é maior com cada queda das yields”. A conclusão a que chega Hickmore é que o “programa do BoE realmente faz com que se procurem mais obrigações do Reino Unido enquanto as yields continuam a cair”.

No entanto, o que mais preocupa as gestoras internacionais é a possibilidade de que a instituição monetária se junte a outras que já estão a aplicar de uma forma ou outra taxas negativas, como é o caso do BCE, do BoJ ou do Banco Nacional da Suíça, entre outros.

“Neste momento, a tendência para os estímulos é bastante forte nos mercados desenvolvidos. O Banco do Japão (BoJ) tem utilizado recentemente a alavanca do estímulo quantitativo ao ter quase dobrado a quantidade de aquisições de ETF, estando preparado para aplicar mais medidas se assim for necessário;  com o aviso de que cortar mais taxas parece, por agora, um caminho que não estão dispostos a seguir”, diz Matteo Germano, responsável  global de investimentos multiativos da Pioneer Investments. Para além disso, o especialista recorda que os grandes pacotes de estímulos quantitativos tanto do BoJ como do BCE, que colocaram em terreno negativo uma enorme quantidade de obrigações, “impedem significativamente a capacidade da Fed para subir as taxas de juro daqui em diante”.

Germano incide sobre a possível efetividade dos estímulos quantitativos e as políticas de taxas zero ou negativas. Na sua opinião, “claramente comprometeram a efetividade das políticas monetárias”. Segundo o responsável, esta falta de efetividade explica que “os banqueiros centrais estejam a pedir fortemente intervenções significativas no lado fiscal, para efetuar reformas estruturais”. Este é um comportamento que também se pôde observar na semana passada no Reino Unido, pois o Comité de Política Monetária (MPC, nas suas siglas em inglês) do BOE explicou que as suas medidas servirão para conter um impacto económico negativo derivado de um shock da oferta, mas que a política monetária não pode ser a única solução para os problemas económicos que vão enfrentar o país, no cenário pós Brexit.

É um ponto de vista que partilham David Stubbs, estratega global de Mercado da J.P.Morgan AM, e Nandini Ramakrishnan, analista de mercado. Em primeiro lugar, ambos os especialistas comentam que os prognósticos do MPC justificam mais cortes de taxas: revisão em baixa da previsão de crescimento de 2,3% para 0,8% em 2017, e de 2,3% para 1,8% em 2008, e aumento do desemprego para 5,5%, com uma perda líquida de perto de 250.000 empregos. No entanto, o que acham de destaque é que “Mark Carney, governador do BoE, foi mais longe que nunca e descartou taxas negativas, ao afirmar que o Comité vê o nível mínimo de taxas de juro na banca como “uma taxa positiva, próxima de zero””.

Portanto, aos olhos dos especialistas da J.P.Morgan AM, “um factor determinante da envergadura da futura política monetária é o grau de apoio que proporciona a política fiscal”. De facto, recordam que Carney afirmou que tinha falado da situação com o novo ministro das finanças, Philip Hammond, e mostrou esperanças de que o Executivo britânico prepare um pacote de medidas. “É possível que tais medidas sejam anunciadas na declaração de outono, que se realizará em novembro, mas poderão chegar antes, se os dados económicos piorarem” assinalam Stubbs e Ramakrishnan.

Segundo a dupla de profissionais, de todos os estímulos anunciados na semana passada “talvez o componente mais interessante seja o novo TFS, que substitui o antigo plano de financiamento do crédito”, dado que pode injetar até 100.000 milhões de libras nos bancos a uma taxa semelhante à oficial, “pelo que será mais fácil emprestarem dinheiro”. Adicionalmente, esperam que estas rondas de liquidez ajudem também “a que os efeitos do corte das taxas de juro bancário passem para a economia real, e assegurem que famílias e empresas beneficiem das taxas de juro baixas”. Finalmente, consideram que “para complementar o TFS, as compras de obrigações corporativas por parte do BoE melhorarão as condições de financiamento e estimularão o investimento”.