Ações, liquidez e geopolítica: sinais de alerta

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José_Eduardo, Flickr, Creative Commons

Captura_de_ecra__2019-02-14__a_s_17Paul Casson é gestor de fundos de investimento de ações de retorno absoluto na Artemis Investment Managers. Desde 2014 que colabora com a entidade gestora britânica, mas foi 19 anos antes que começou a sua carreira profissional, tendo passado por gestoras como a Martin Currie (Legg Mason), SVM Asset Management e Henderson Global Investors. São, portanto, muitos anos de experiência no mundo dos investimentos que lhe permitem puxar dos galões e alertar os investidores para alguns riscos que vê nos mercados e que acredita que não estão a ser devidamente tidos em conta. Assim o fez recentemente, numa conferência com jornalistas europeus em Londres.

Mercados de ações e liquidez

Neste segmento dos mercados financeiros, o gestor destacou o peso do trading algorítmico e os potenciais efeitos na liquidez. As estatísticas mostram que a percentagem do volume diário transacionado em ações chega aos 70%, a classe de ativos mais sujeita a este tipo de transação automática. “Falamos de 70% das transações que não envolvem humanos. Alguém viu o Exterminador Implacável?”- questiona espirituosamente o gestor. “Em algumas coisas as máquinas são efetivamente melhores do que os humanos. As máquinas são melhores a identificar pequenas anomalias nos mercados e corrigi-las muito rapidamente. Falamos de trading que ocorre em segundos ou frações de segundo. Nós, humanos, não temos essa capacidade. Contudo, as pessoas que programam as máquinas não são estúpidas. Percebem o que elas sabem fazer e aquilo que não sabem fazer. E uma coisa em que as máquinas são muito más é na mudança”, introduz Paul Casson.

O gestor refere-se especificamente ao processo de programação de uma máquina ou computador. Essa programação é executada com base num conjunto de regras muito bem definidas. Quando algo faz com que o padrão mude abruptamente, as máquinas não o reconhecem. “Quando algo aleatório atinge os mercados, seja um tweet de Trump, ou uma carta de Bruxelas aos italianos sobre o défice, as máquinas estão programadas para se desligar a si próprias. Elas sabem que nesse momento, os humanos ficam em vantagem. E o que isso significa é que, nesse momento, 70% da liquidez seca, literalmente desaparece”, observa.

“Ouço muitos gestores e investidores dizer que a liquidez está bem e não há um problema. Claro que parece bem. São as pessoas que têm o dinheiro, e o dão a outra pessoa, em troca de um ativo, que o dizem. Claro que há liquidez. São os gestores e investidores que estão a providenciar a liquidez. Mas quando tentarem vender num cenário em que não há liquidez, aí é que pode haver um problema. É por isso que é preciso ter muito cuidado quando se constitui um portefólio. Tem que haver liquidez, e a liquidez é assimétrica”, observa o gestor da Artemis FM.

As obrigações e a porta pequena

O mercado de crédito, o dos EUA por exemplo, não tem parado de crescer neste século. De menos de 2 triliões de dólares no início do século, este cresceu para mais de 7,5 triliões de dólares em 2018. “Mais dívida, mais pessoas, mais trading... e a capacidade para transacionar esta dívida, medida pelo inventário em dealers de obrigações, tem vindo a recuar sistematicamente desde a crise financeira”, alerta Paul Casson. “Quando se quer comprar uma obrigação o dealer facilita essa compra. Algo normal antes da crise financeira. Contudo, hoje em dia, os dealers não podem mais deter esse inventário. São exigidos reforços de capital tão elevados que os intermediários financeiros não querem mais estar nesse negócio. Por outro lado, o mercado de crédito fica cada vez maior. ‘Big crowd, small exit’”, atenta. “Tenho falado com muitos profissionais que não veem esta situação como um problema. Ouvi muitas explicações possíveis, mas não vejo como é que este massivo ‘animal’ poderá passar por uma porta tão pequena numa situação de pânico. Mais uma coisa que as baixas taxas e baixa volatilidade encorajaram”, exclama.

 Geopolítica e a democracia

“O populismo é democracia que Bruxelas não gosta!”. Paul Casson inicia o tema com esta afirmação contundente, mas não a deixa sem uma justificação. “Se pedimos às pessoas para votar e elas votam, há que respeitar o resultado. Não importa se se gosta desse resultado ou não. Cada pessoa tem o direito de expressar a sua opinião. Temos que perceber que Donald Trump é resultado da democracia, tal como o governo semi-populista que governa Itália e todos temos nos nossos países alguma expressão de populismo”, introduz.

O porquê de um aumento e dispersão da expressão populista nos últimos anos tem, para Paul Casson, uma explicação muito simples. “Na última década temos visto as empresas a crescer e a lucrar mais e mais. As empresas ficam melhor, mas a classe trabalhadora não. Observamos um gap cada vez maior entre os lucros das empresas e a parte que chega às pessoas. E estas sabem que os partidos clássicos não têm feito nada por elas, neste sentido, e estão sistematicamente a tentar livrar-se deles para experimentar algo novo. Seremos muito palermas se ignorarmos esses sinais. Mas antes de mais, este problema tem que ser reconhecido como tal. Parem de o chamar de populismo e comecem a chamar democracia”, conclui.