A que temos de prestar atenção agora?

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litratcher, Flickr, Creative Commons

Os Estados Unidos e a China assinaram a primeira fase do pacto para pôr um travão na escalada tarifária, cujos detalhes não serão públicos. O que sabemos – tal como revela Patrick Zweifel, economista chefe da Pictet AM – é que os EUA manterão as taxas de 15% sobre os 120.000 milhões de produtos chineses. Entre os compromissos adquiridos pela China encontram-se compras adicionais de 200.000 milhões de dólares, incluindo 32.000 milhões em produtos agrícolas. A China deve deter a venda de produtos pirateados e aplicar sanções penais e deixar de pressionar empresas americanas que investem no país para partilhar tecnologia. Os EUA tiraram a China da lista de países que alteram de forma artificial a sua moeda.

Isto significa que, com a guerra comercial entre os EUA e a China a resolver-se e com o Brexit a mostrar cada vez maior visibilidade sobre a forma como se vá produzir, os investidores devem fixar-se noutra série de assuntos totalmente diferentes dos de 2019.

1. Na lista de novas preocupações, a primeira que saltou à vista foi a escalada bélica no Médio Oriente entre os EUA e o Irão. O conflito não é banal, sobretudo pelas repercussões que pode ter para o petróleo, o sangue que corre pelas veias da economia mundial. “Os eventos geopolíticos são um fator a vigiar”, reconhece Azad Zangana, economista e estratega sénior da Schroders. As consequências de uma guerra aberta na região poderá ter importantes ramificações em todo o universo de ativos, incluindo o bilhete verde. “O conflito fez com que o dólar beneficiasse apesar de ainda se poder materializar uma certa debilidade quanto ao sentimento de risco melhorar”, assinala Esty Dwek, responsável global da Estratégia de Mercado da Natixis IM.

A BlackRock colocou os riscos geopolíticos na sua mira em 2020. “As tensões entre os EUA e o Irão intensificaram-se rapidamente nas últimas semanas, o que nos recorda que os riscos geopolíticos continuam a ser elevados em várias vertentes, incluindo apesar de, na nossa opinião, a conjuntura para os ativos de risco se ir tornar  relativamente positiva este ano. O conflito comercial entre os EUA e a China – o risco geopolítico de 2019 por excelência – entrou em ponto morto, apesar de prevermos que a rivalidade estratégica entre ambos os países persistirá. Na nossa opinião, as obrigações do Tesouro dos EUA serão um ponto-chave para estabilizar as carteiras”, afirmam.

2. À medida em que as notícias sobre os EUA e a China amainem, o foco dos investidores deverá voltar a estar nos fundamentais. “No ano passado os protagonistas foram os estímulos em todo o mundo e o afundar das taxas de juro. Este ano depende em grande medida de que estes catalisadores se traduzam numa melhoria do crescimento. A este respeito, os últimos dados permitem albergar um certo otimismo. Os investidores deverão estar atentos aos dados de atividade, não aos tweets de Trump. Isto significa manter uma opinião favorável, mas seletiva sobre os ativos de risco”, destaca Ian Samson, membro da equipa de gestão de fundos da Fidelity. Por agora, o mercado não prevê um risco para a economia, mas os investidores parecem estar à procura da confirmação através dos dados macroeconómicos de que a recuperação prevista está em marcha.

Tal como referem na J.P.Morgan AM, o índice Institute for Supply Management (ISM) industrial correspondente a dezembro caiu para 47,2 incumprindo o consenso previsto e mantendo-se abaixo da quota de 50 que indica expansão. Não obstante, o dado não industrial mais recente do ISM, que alcançou o nível de 55, proporcionou uma certa garantia, em conjunto com um contexto laboral cada vez mais favorável. Acreditamos que prevalecerá um crescimento constante à medida que diminua o risco de recessão e é provável que o mercado se mostre mais convencido a respeito de se os dados macroeconómicos continuam a avançar na direção correta”, apontam.

3. A política monetária. E, especialmente, a que se aplique nos EUA num ano de eleições presidenciais, outra das grandes incertezas que terão de enfrentar os mercados, incluindo o rumo que tomar o processo de destituição em marcha. No que diz respeito à Fed, na DWS consideram que Jerome Powell não tem intenção de variar as taxas de juro. “Não se arriscará a gerar controvérsia a subir as taxas de juro num ano eleitoral. Ainda assim, haverá quem considere que manter as taxas nos níveis atuais é, em si mesma, uma decisão controversa. O presidente dos EUA, sem ir mais longe, defende a necessidade de mais estímulos, apesar do emprego se encontrar em mínimos históricos. Assim, nem a Fed no BCE têm previsto subir as taxas de juro este ano, nem aplicar descidas surpresa como fizeram em 2019”, assinalam.

4. Mal-estar social em todo o planeta. Charles de Quinsonas, gestor da M&G Investments, recorda que os violentos e massivos protestos no Chile após uma subida de tarifas do metro apanharam de surpresa a maioria dos investidores em 2019. “O ano passado foi um cenário de uma série de manifestações sem precedentes contra a corrupção, a desigualdade e regimes desgastados em países como o Líbano (o seu primeiro-ministro acabou demitido), Sudão (o presidente Omar al-Bashir foi destituído após um golpe de estado propiciado por protestos massivos), Argélia (o presidente Bouteflika demitiu após 20 anos no poder), Iraque (demissão do primeiro-ministro), Bolívia (Morales demitiu após protestos), Puerto Rico (demissão do seu governador), Irão e Colômbia (protestos massivos), Argentina (mudança política), Hong Kong...”, enumera.

O caos é que a tendência começou com a crise financeira global, mas acelerou claramente em 2019, e ainda que cada protesto tenha a sua própria dinâmica, todas partilham uma certa medida: a mesma reivindicação de mudanças fundamentais no sistema. “Preveem os mercados financeiros o auge estrutural do populismo procedente do descontentamento social? Cabe esperar mais em 2020, e os investidores não são imunes a novas surpresas como os protestos no Chile”, indica o especialista. Isto é o que a indústria se conhece como os know unknows o que é o mesmo que ser consciente deste ano, como ocorre em todos, vão produzir-se feitos completamente imprevistos, que vão apanhar de surpresa os investidores e cujo impacto nos mercados é imprevisível.