A fronteira entre o que é tecnologia e o que não é

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Vitor Duarte

Quando Isaac Asimov estabeleceu as “Três Leis da Robótica”, na sua obra “Runaround” (1942), o seu principal objetivo era proteger, ainda que num mundo fictício, a humanidade em todas e quaisquer relações com tecnologia artificialmente inteligente. Hoje, a iminência da presença de robôs e algoritmos nas nossas vidas é muito maior do que quando Asimov escreveu os seus ensaios, pelo que ganha especial importância a definição de regras e diretivas para orientar a nossa relação com a tecnologia e identificar potenciais ameaças, tanto na ótica do utilizador como na do investidor. 

Os riscos na ótica do utilizador da tecnologia é um tema que daria pano para mangas, mas a discussão em torno dos riscos associados ao investimento no sector tecnológico, e que medidas podem ser tomadas para os colmatar, foi, esse sim, um dos temas que esteve em cima da mesa num pequeno-almoço promovido pela DNB Asset Management em Lisboa. O encontro juntou Mikko Ripatti, senior client portfolio manager na entidade gestora nórdica, António Dias, da IM Gestão de Ativos, Fátima Só, da GNB Gestão de Ativos e Rui Araújo, da BPI Gestão de Activos, todos eles gestores e responsáveis de equity e pelo sector tecnológico.

Risco: uma idiossincrasia do sector

Falar de riscos do sector tecnológico é falar dos riscos de qualquer sector. Este é um ponto de partida assenteRui Araújo para os quatro gestores, que veem hoje muito mais esbatida a fronteira entre aquilo que é tecnologia e o que não é. “Se calhar daqui a 5 anos já não se fala do que se passa no sector porque a tecnologia está em todo o lado” resume Rui Araújo, fazendo uma alusão à omnipresença da tecnologia nas operações de outras áreas de atividade. 

Uma consequência natural desta transversalidade é a absorção de riscos e perigos que, à primeira vista, seriam exclusivos de outros sectores. Segundo o gestor da BPI Gestão de Ativos, é esta solidariedade que faz com que o sector “seja caracterizado pela imprevisibilidade e pela incerteza”. O “escrutínio regulamentar a nível dos dados e da privacidade, a exposição a alterações legais de produção no estrangeiro, a necessidade de atualização constante face à possibilidade do obsoleto e as baixas barreiras à entrada de novos concorrentes” são alguns exemplos que salienta para ilustrar os riscos idiossincráticos do sector.

Fátima SóNomeando exemplos concretos e presentes, Fátima Só contribui com os impactos incontornáveis da guerra comercial entre os Estados Unidos e a China. Trata-se, por si só, de uma “guerra tecnológica”, e um perfeito exemplo de como um evento de cariz geopolítico pode ameaçar o sector globalmente, e não apenas ao nível regional dos seus intervenientes.

Já Mikko Ripatti relembra outro risco para o investidor relacionado com o facto de haver “vários investidores que investem nas maiores empresas tecnológicas do mundo, não por serem tecnológicas, mas por terem um peso grande em índices.”. Num momento em que “são os fundos passivos que mais crescem”, o gestor da DNB relembra que “esses fundos não param para analisar as empresas, eles simplesmente confiam no índice”. Essa postura pode trazer efeitos nefastos na avaliação da empresa, completa António Dias, pois “os índices, ao serem ponderados pela capitalização, acabam por estar enviesados para estas empresas, que por sua vez conseguem ainda mais captações”.

Uma solução vasta para um problema vasto

Face a este cenário instável e tempestuoso que assombra o sector, há que encontrar linhas orientadoras que levem os empreendimentos dos investidores a bom porto. Para esse efeito, Rui Araújo resgata uma solução diretamente da teoria clássica de gestão de carteiras: “este é um sector onde as coisas mudam rapidamente, portanto a regra de ouro é diversificar”. 

Mikko RipattiNa ótica do gestor da BPI Gestão de Ativos, uma possível solução passa “optar por fundos que sejam mais flexíveis e que possam mudar de temas ou estratégias de investimento, pois existem muitos riscos inerentes a estarmos expostos só numa indústria ou subindústria”. “Num sector com tantos segmentos diferentes e dependentes de clientes e indústrias, no fundo, o que é importante é ter uma boa diversificação de segmentos e de regiões a que estão expostos”, completa Fátima Só.

“Na DNB temos uma abordagem ampla”, partilha Mikko Ripatti, “investimos em tecnologia, media e telecom,  pois ao limitarmo-nos ao sector da tecnologia ficaríamos expostos a subsetores pequenos que correm um grande risco de se tornarem muito quentes e com valuations altas, e não teríamos por onde fugir”. Neste assunto, a postura da entidade gestora nórdica interseta-se com a de Rui Araújo, que defende uma forte “disciplina a nível da valuation, para evitar ser levado por temas quentes” e conseguir ver para além do ruído do mercado.

O que nos reserva o futuro?

António DiasExiste uma certa analogia entre prever o futuro do sector tecnológico e estimar os retornos de qualquer investimento: ambos são cenários de incerteza em que apenas dispomos dos dados históricos para nos orientar. Estes dados, como sabemos, podem não ser os melhores preditores de resultados futuros, mas são excelentes fontes de aprendizagem. 

Como exemplo, António Dias menciona alguns casos de empresas que obtiveram altas capitalizações em plena dot-com bubble, no fecho do século passado, e que hoje estão longe das avaliações outrora conseguidas. “Uma coisa é certa: daqui a cinco ou dez anos, algumas das empresas que estão no topo agora, não estarão seguramente lá” sentencia o gestor, prevendo que serão sim “aquelas que têm capacidade para se reinventar e ter várias linhas de negócio”. grupo_3

Por fim, o incontornável tema ético foi alvo de reflexão por parte de Mikko Ripatti. “Sempre julgámos que, ao conseguir ter todo a gente online, iríamos ter um mundo melhor, com mais acesso à informação e capacidade de separar o bom do mau. Porém, fizemos o connecting people e hoje temos um mundo polarizado e fragmentado, numa crise de informação. Este é um caso em que a ideia era bonita, mas, na prática, muitas coisas deram errado e devem ser consertadas - e as empresas de tecnologia têm de fazer a sua parte”.