A FED sobe as taxas de juro pela segunda vez: opiniões das entidades gestoras internacionais

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United States Government Work, Flickr, Creative Commons

Foi preciso passar cerca de um ano para que a Reserva Federal norte-americana subisse as taxas de juro pela segunda vez, de 0,5% para 0,75%, tendo por base o slogan: "uma orientação da política monetária que permanece acomodatícia, apoiada por um maior fortalecimento das condições do mercado laboral e por um regresso da inflação para os 2%".

A instituição monetária há muito que tinha preparado o mercado para esta eventualidade, de tal forma que nos dias anteriores a probabilidade de uma subida acontecer situava-se entre os 95% e os 100%; os 103 analistas consultados pela Bloomberg News apontaram, de forma unânime, para uma subida das taxas de juro.

Agora a questão será se a Fed irá colocar o "pé no acelerador" das subidas em 2017, o que irá depender, obviamente, da inflação. Esse foi um ponto chave da reunião: Janet Yellen, presidente da Fed, deu algumas pistas ao mercado sobre o que se pode esperar no próximo ano. No entanto, omitiu qualquer referência ao rumo da política fiscal.

"O que é mais interessante são as suas orientações sobre como devem evoluir as taxas de juro a partir de agora", refere Luke Bartholomew, gestor da Aberdeen, referindo-se ao famoso gráfico dos pontos (consultar aqui): os membros do Comité Federal de Mercado Aberto (FOMC) colocaram a média do nível das taxas de juro entre os 1,25% e os 1,5% para o ano que vem, o que implicará que existam duas ou três subidas das taxas em 2017. "Nesta mesma data do ano passado, as previsões da Fed pareciam bastante descabidas. No entanto, desta vez há motivos para pensar que as directrizes da Fed são mais realistas. A economia está numa etapa mais avançada da sua recuperação e os preços do mercado já estão a refletir isso", refere Bartholomew.

Anthony Doyle, diretor de investimento de obrigações de retalho da M&G Investments, acredita que o FOMC será muito cuidadoso com as expetativas de mercado daqui para a frente, para não destabilizar a economia norte-americana: "uma rápida correção das obrigações de maior duração, combinado com a apreciação do dólar devido aos atrativos spreados entre as taxas de juro, levaria a um rápido endurecimento das condições monetárias e, por conseguinte, iria ter um impacto adverso sobre as previsões para o consumidor americano".

Donald Trump é a incógnita da equação

"Na nossa opinião, os principais desenvolvimentos para o ano que vem são centrados nas políticas da administração que vai entrar. Nós e os mercados chegámos à conclusão provisória de que o presidente eleito irá seguir políticas pró-crescimento, com estímulos resultantes da reforma dos impostos, enquanto irá implementar um protecionismo inferior ao que propunha durante a campanha", explica David Page, economista sénior da AXA IM. No entanto, o especialista acrescenta que "não compete à Fed antecipar as mudanças nas políticas governamentais", portanto, as suas previsões para 2017 não se baseiam numa possível redução fiscal.

Para Philippe Waechter, economista-chefe da NAM (filial de Natixis Global AM), a atuação da Fed tem sentido, dada a situação atual da economia norte-americana e as previsões para o curto prazo. "A procura privada interna nos EUA será impulsionada por grandes cortes fiscais que estão no programa do presidente eleito. Em todo o caso, o papel da política monetária irá mudar de forma drástica. A necessidade de taxas de juro baixas para apoiar a procura privada irá reduzir-se, graças a uma política fiscal mais pró-ativa", detalha.

Waechter recorda que o comportamento da instituição nos últimos anos respondeu a dois motivos principais. O primeiro: "queria recuperar a margem na gestão da sua política monetária. O nível atual era muito baixo caso a economia sofresse um choque negativo". O especialista estima que a subida de ontem reflita este pensamento, "e não a absoluta necessidade de reduzir pressões sobre a economia".

O segundo motivo que explica a atuação da Fed, na opinião do economista, é que "até agora a análise macro da Fed estava baseada no impacto assimétrico da política monetária. Pensava-se que, ao atuar demasiado rápido, suponha-se um risco para o momento de crescimento, enquanto que atuar muito tarde se associava a uma maior inflação". Portanto, conclui Waechter, "a Fed pensou, correctamente, que era melhor atuar um pouco mais tarde". No entanto, ao entrar no jogo de uma política fiscal mais pró-ativa nos EUA, o especialista entende que houve uma mudança: "A margem da Fed vai aumentar e será capaz de incrementar as taxas com um perfil diferente do que era esperado anteriormente". Assim, Waechter espera "pelo menos duas subidas das taxas em 2017". Com a perspetiva de crescimento mais alta e um corte mais elevado do preço do dinheiro, o economista calcula que a rendibilidade das obrigações a dez anos consiga atingir os 3%.

"Pensamos que a Fed irá manter uma postura relativamente "suave" nos primeiros meses do ano, já que apreciação do dólar e um aumento das yields dos valores da dívida já fizeram, na verdade, parte do planeado endurecimento das condições monetárias", afirmam os analistas da NN Investment Partners.

Na gestora discutem a probabilidade de Trump aplicar o seu programa, mas calculam, caso ele execute as medidas que refere, que estas irão contribuir para um aumento do défice público, e isso irá trazer "um maior crescimento e, provavelmente, uma inflação mais alta, já que a economia norte-americana está perto do seu nível de crescimento potencial". Portanto, não descartam a possibilidade de que a Fed suba as taxas de juro a um ritmo mais rápido do que o esperado, antes das eleições.

"Sim, nós acreditamos, no entanto, que a maioria dos membros do Comité Federal de Mercado Aberto (FOMC) estão dispostos a permitir que a inflação supere moderamente o nível objetivo para compensar os anos em que a inflação esteve abaixo do objetivo, e cimentar umas expetativas de inflação superiores ao objetivo", afirmam os especialistas. Estes consideram, igualmente, que os membros do FOMC "poderão estar dispostos a que a economia opere "à pressão" para impulsionar a oferta de trabalho ou a produtividade para niveis sustentáveis mais altos", pelo que, em jeito de conclusão, espera "uma resposta das taxas de juros mais comedida do que o habitual, face a um crescimento mais intenso".