“A Administração Trump e a Fed são identificados como os principais catalisadores de um potencial processo recessivo nos EUA”

Rita González
Vitor Duarte

O segundo do semestre de 2018 arranca em clima de incerteza. Da crise política italiana ao agudizar das tensões comerciais entre os EUA e o resto do mundo, particularmente com a China, muitos são os temas a merecer preocupação.

Reconhecida a aproximação ao fim do ciclo de expansão da economia global, e na presença de diversos factores de pressão, impõe-se a reflexão sobre o potencial de valorização de mercado. Num contexto de volatilidade, os receios sobre o arrefecimento da atividade global dominam o sentimento.

O corrente ano de 2018 é o décimo primeiro da atual fase do ciclo de expansão da economia norte-americana. Esta é uma proeza historicamente rara, quando comparada com uma média de duração de cerca de cinco anos, o que faz aumentar as preocupações sobre aproximação ao fim do ciclo, expressas na amplitude dos recentes movimentos registados nos mercados financeiros.  Por agora, os indicadores continuam a revelar vitalidade o que, na ausência de eventos disruptivos ou políticas desadequadas, sugere a continuidade do crescimento por mais algum tempo. A Administração Trump e a Reserva Federal norte-americana estão assim identificadas como os principais catalisadores de um potencial processo recessivo nos EUA.

Quanto ao primeiro, a imprevisibilidade de Trump introduz um tipo de risco difícil de gerir. Em todo o caso, o endurecimento da retórica proteccionista reintroduz preocupações sobre o crescimento à escala global.  A pressão sobre a China é, neste enquadramento, aquela que merece maior preocupação. Quanto ao segundo, a potencial aceleração do ritmo de normalização das taxas de juro apresenta-se como crítico.

A gradual aproximação a uma situação de plena utilização da capacidade económica instalada e o aumento do preço das matérias primas, em particular do petróleo, já se traduziram num aumento das expectativas de inflação, elevando a yield dos Treasuries de 10 anos para níveis acima dos 3%. Uma acentuada deterioração das condições de financiamento teria um impacto negativo transversal. O volume de dívida das empresas, potenciado pelas políticas ultra-expansionista levadas a cabo na última década, é um factor crítico de risco. Estima-se que mais de um terço das empresas norte-americanas tenham rácios de Dívida Líquida/ EBITDA de 5 vezes ou mais. Num ambiente de aumento das taxas de juro, esta estrutura micro-económica torna o mercado ainda mais vulnerável.

No seu último encontro, a Fed voltou a subir os juros de referência (agora 1.75%-2%), apresentando um discurso mais restritivo do que o antecipado, suportado pelo sólido desempenho da economia americana e a pela convergência da inflação para a meta de 2%. Esta comunicação projetou um cenário de mais duas subidas até ao final do ano (mais uma do que anteriormente antecipado após a reunião de março). Powell continua a ser visto como um prossecutor da linha de Yellen, pelo que o perigo do Fed se tornar mais agressivo é assumido como remoto. 

O atual flattening da curva de rendimentos norte americana – aproximação do nível das taxas de juro de curto prazo ao das de longo prazo - reflete, não só o atual ciclo de subida das taxas de juro, como também a previsão consensual de que as taxas se irão manter relativamente baixas. O processo de subida de taxas está, naturalmente, dependente das expetativas sobre a inflação. Uma visível e inesperada aceleração dos índices de preços poderá comprometer este desenho, invertendo a curva, assinalando o processo de indução de um ciclo recessivo. A inflação é assim o indicador económico que entendemos como mais relevante no atual enquadramento.

Enunciadas as principais ameaças à economia norte americana, o choque fiscal de Trump, caso seja inócuo quanto à inflação, representa uma almofada de segurança para a economia, em caso de maior adversidade. Contudo, o agravamento do deficit orçamental decorrente desta e de outras medidas (ex.  plano de infraestruturas), implicará um expressivo aumento do volume de dívida a emitir. Não é, por agora, evidente a predisposição do mercado para a absorção deste aumento de oferta, sem que implique um agravamento dos custos de financiamento do Tesouro norte-americano. Apesar das taxas americanas se revelarem muito apelativas, o custo de cobertura cambial implícito anula grande parte do rendimento, hipotecando o interesse de investidores denominados noutras divisas como o EUR ou o JPY. Este é um fenómeno que já se faz sentir, nomeadamente no mercado de crédito, onde a yield de algumas emissões corporate já acusa esta pressão. Este facto, combinado com o aumento da oferta, deverá propiciar o aumento das yields dos Treasuries.

Na Europa, embora estejamos numa fase menos adiantada do ciclo, a atual conjuntura económica é de expansão. Também aqui, os factores de pressão são exógenos.

Em Itália, embora as iniciais disruptivas propostas de reestruturação da dívida pública, que previam o perdão de parte da dívida pública detida pelo BCE e a criação de mecanismos de abandono da moeda única, tenham sido excluídas do programa de Governo, a agenda política da coligação M5S-Liga, assumidamente “antissistema”, mantém a Europa em alerta. A disciplina orçamental da Zona Euro é uma das frentes de preocupação, já que o acordo entre os dois partidos pressupõe uma série de medidas que tornam proibitivo o cumprimento dos limites de deficit estabelecidos nas regras do Pacto de Estabilidade. A rejeição, pelo Presidente Mattarella, do nome proposto para Ministro das Finanças e a nomeação de um novo Governo mais equilibrado diminuiu o risco de ruptura política dentro da Zona Euro, mas o alerta mantém-se. A positiva resposta das sondagens de apoio ao endurecimento da retórica anti-mainstream dos líderes do M5S e Liga, aliada às inevitáveis tensões ao nível do equilíbrio das finanças públicas e, não menos importante, ao nível da política migratória e de fronteiras, compõem um pesado cenário do panorama europeu .

A Alemanha acusa já a pressão, declaradas as tensões políticas no seio do Governo no que respeita à política de acolhimento dos refugiados: a CDU (da Chanceler Merkel) e o partido-irmão da Baviera CSU (de Horst Seehofer, Ministro do Interior) estão em desacordo. As próximas eleições regionais da Baviera (outubro), nas quais CSU enfrenta uma pressão crescente do nacionalista AfD (Alternativa para a Alemanha) estão na base de uma mensagem mais populista, em que a CSU defende uma política de asilo mais restritiva, com o intuito de evitar a perda da atual maioria absoluta. Os próximos meses poderão moldar o curso dos acontecimentos para os próximos anos.

A fragilidade do enquadramento impôs ao BCE um discurso mais cauteloso. Anunciado o fim do tapering, a autoridade monetária central assegurou a manutenção da dimensão do balanço por tempo indeterminado (reinvestimento), bem como das taxas de juro pelo menos até ao
Verão de 2019. Um discurso manifestamente acomodatício, que suporta o mercado financeiro europeu. Na ausência de choques externos negativos, vemos a economia da Zona Euro a continuar a crescer, ainda que em desaceleração, e a inflação core a subir gradualmente.

O euro poderá continuar pressionado em baixa no curto prazo, em função desta divergência EUA-Zona Euro, mas mantemos a expectativa de que, a médio prazo, o dólar será penalizado pelos desequilíbrios orçamentais e comerciais norte-americanos.

No que respeita aos Mercados Emergentes, embora a recente correção possa promover alguma apetência, os significativos riscos que subsistem podem ainda não estar devidamente refletidos. O pesado calendário eleitoral, a desaceleração económica, o aumento das taxas de juro e  a força do Dólar comprometem o potencial deste mercado. Turquia, Argentina e Brasil estão no foco das preocupações.  

No Japão, a economia registrou, no primeiro trimestre se 2018, o primeiro recuo em mais de dois anos.  A força do Iene pode explicar parte desta evolução, não devendo este número ser pronuncio de inversão de ciclo.

A avaliação do atual enquadramento obriga a ir muito além das tradicionais dinâmicas económicas e financeiras. Hoje, as principais ameaças derivam de eventos extraordinários, disruptivos, projetados por uma perigosa determinação de alguns dos principais líderes mundiais em interromper de forma brusca o adiantado percurso da globalização, retornando a políticas que a História já provou serem perigosas. A imprevisibilidade, ou em muitos casos, a previsibilidade sobre a propensão ao populismo, obrigam a uma reflexão sobre riscos desconhecidos nos ditos “tempos modernos”.

Apesar da ausência de indicadores verdadeiramente preocupantes no que respeita ao andamento da economia global, que continua em expansão, para nós, este é um momento para reduzir risco. Um ambiente muito complexo, em que as alternativas de investimento em classes tradicionais são cada vez mais escassas. As baixas taxas de juro do mercado europeu suportam a nossa opinião acerca do fraco potencial dos investimentos em dívida em euros. Por seu turno, o apelo dos atuais níveis das yields nos EUA é mitigado pelo custo da cobertura cambial. Uma realidade determinante ao investimento nesta região, já que o risco da queda do USD a prazo não é, para nós, negligenciável. Do lado da dívida emergente, acreditamos que ainda teremos que assistir a mais alguns movimentos de correção. O nosso posicionamento do segmento de obrigações mantém-se assim de underweight transversal.

Em relação ao início do ano, este segundo semestre impõe-nos maior precaução no mercado de ações. A desaceleração económica e a incerteza decorrente de políticas que nos arrastam para terrenos desconhecidos tornam os investidores menos receptivos à tomada de risco. A última época de resultados foi disso evidencia: com números a superar as estimativas, os investidores centraram-se nos riscos, focando-se essencialmente no perigo de sobreaquecimento da economia norte-americana potenciado pelo aumento do preço do petróleo, pela aceleração do crescimento dos salários e pela restritividade da política monetária norte-americana. A reação do mercado não foi, contrariamente às épocas mais recentes, proporcional aos bons resultados alcançados pelas empresas. A verificar-se uma sequência de indicadores económicos mais frágeis, as previsões de resultados das empresas deverão ressentir-se de forma visível. O nosso posicionamento em ações passa assim para neutral, com Europa e Japão a continuarem a merecer a nossa preferência.

Em contrapartida, o previsível aumento da volatilidade e a subida das taxas de juro, é um terreno tradicionalmente fértil para a classe de alternativos. Estratégias multi-strategy, ou puros Equity-market-neutral serão determinantes na nossa estratégia.