Sinais de perigo e esperança no segmento de crédito corporativo

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Isaac Torrontera, Flickr, Creative Commons

Os mercados continuam sob o efeito do anúncio do BCE. A inclusão de obrigações corporativas não financeiras no programa de compras do BCE empurrou as rentabilidades desta classe de ativos para abaixo dos 1% - o seu nível mais baixo num ano – (ver gráfico). Isto gerou uma ronda de emissões de obrigações corporativas, com as empresas a procurarem tirar partido destes baixos custos de financiamento. “A pergunta agora é o que farão as empresas da Zona Euro com estes novos fundos disponíveis. Em teoria, esta nova ronda de empréstimos deveria entrar em circulação na economia real através do aumento dos investimentos das empresas. No entanto, também é provável que as empresas utilizem os fundos para aumentar o seu dividendo ou financiar programas de recompra de ações. Qualquer opção poderá beneficiar tanto as empresas como os investidores”, explicam os especialistas da J.P.Morgan AM.

Rendimento das obrigações High Yield corporativas na Zona Euro

Fonte: Bloomberg, J.P.Morgan Asset Management. Dados a 18 de março de 2016

No entanto, na Europa, cerca de 50% das obrigações que podem entrar no programa de compras do BCE cotam com uma rentabilidade negativa. Ou seja, metade das emissões estão a oferecer uma rentabilidade até à maturidade inferior a -0,3%. Neste contexto, a pergunta é... que segmentos do mercado de crédito podem proporcionar uma rentabilidade superior numa conjuntura de taxas de juro negativas? No ano, os ativos investment grade superaram os de high yield tanto na Europa como nos EUA. A debilidade do mercado de high yield norte-americano (em resultado dos baixos preços do petróleo) contagiou as obrigações high yield europeis, enquanto as obrigações investment grade conseguiram uma rentabilidade total positiva, arrastadas pelos movimento dos mercados de obrigações soberanas.

Segundo Stephen Thariyan, responsável global de crédito na Henderson, e Tom Ross, gestor de carteiras na mesma empresa, existe uma relação muito mais estreita entre o crédito investment grade e os movimentos das taxas de juro. Neste cenário, o sector financeiros está a ser um dos mais prejudicados. “Os bancos europeus têm-se visto especialmente afetados, tanto nos mercado de crédito, como nos de ações, durante as últimas turbulências de mercado. Se bem que existam numerosas dúvidas sobre a saúde do sector, um dos factores observados tem a ver com o facto de os bancos terem dificuldades em ganhar dinheiro neste contexto de taxas de juros negativos. Quando as taxas estão baixas ou são negativas é mais complicado para os bancos atrair os aforradores e as margens comprimem-se”.

Além disso, os cortes recentes nas taxas de juro foram acompanhados por um achatamento das curvas de yields, e a percepção habitual é que o negócio dos bancos se encontra mais saudável quando o declive da curva é mais pronunciado. “Deste modo, os diferenciais nas obrigações bancárias norte-americanas subiram recentemente perante o aumento dos receios de que a Fed mantenha as taxas inalteradas. Taxas de juros negativas ou mais reduzidas podem se repercutir também nas empresas de seguros, ainda que em menor medida que nos bancos, já que não têm um vinculo tão relevante. Algumas seguradoras de menor tamanho, com uma grande exposição a produtos do tipo garantido podem se ver afetadas em resultado de uma maior dificuldade de fazer face aos pagamentos das rentabilidades garantidas. No entanto, as seguradoras maiores e mais diversificadas não deverão ser muito afetadas”, assinalam. 

Detectando o canário e a fénix no crédito corporativo

Segundo a Goldman Sachs AM, os preços do mercado refletem  atualmente uma probabilidade de recessão nos EUA em 2016 de mais de 50%, se compararmos o nível atual dos spreads com o de período de recessão passados. “Dado que os mercados estão a incluir no preço uma probabilidade de recessão bastante mais alta do que pensamos, o crédito pode parecer atrativo, especialmente quando se avalia a situação dos spreads em relação aos dados históricos. Os spreads de crédito no segmento investment grade e high yield estão atualmente nos percentis 90 e 92, da sua distribuição histórica, respectivamente. Por outras palavras, desde o a construção dos respetivos índices, os spreads dos títulos com grau de investimento e high yield alargaram-se em maior medida do que agora, apenas em 1% e 8% dos anos, respetivamente. E, para além disso, os pontos de rentabilidade a um ano alargaram-se 50 e 141 pontos base, respetivamente”.

Isto significa que, para que o excesso de rentabilidade volte a terreno negativo, os spreads dos valores com grau de investimento teriam que se alargar outros 50 pontos base, até alcançar o percentil 95, e no segmento do high yield outros 141 pontos base, até ao percentil 96. “Ao mesmo tempo, acreditamos que este contexto requer um enfoque de precaução. Não é claro se o crédito corporativo é um canário na mina de carvão, que arrastará com ele o mercado de capitais, ou uma fénix que pode oferecer uma pronunciada valorização a partir dos níveis atuais. Encontramo-nos nas fases tardias do ciclo de crédito e os baixos preços das matérias primas, juntamente com os spreads amplos, vão, provavelmente, provocar um ciclo de desalavancagem e uma aceleração da taxa de incumprimento  em 2016. E como tudo isto está a acontecer com pouco apoio das políticas monetárias da Fed, o terreno está preparado para um ano potencialmente volátil”.

Por outro lado, com o elevado nível das yields atualmente, os preços refletem o pior dos cenários, pelo que uma mudança na confiança poderá gerar uma sólida rentabilidade, indicam da firma americana. “Alertamos, sim, para o facto de existirem menos refúgios seguros dentro do crédito corporativo. Acreditamos que as condições atuais merecem um enfoque de precaução, no qual o posicionamento tático e a seleção de títulos será chave. Daí a importância de uma seleção cuidada dentro do universo de crédito corporativo”.