Reforma fiscal de Donald Trump quebra o encanto dos mercados

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loSonoUnaFotoCamera, Flickr, Creative Commons

À medida que se aproximam os primeiros 100 dias como Presidente dos Estados Unidos, a administração Trump elaborou, finalmente, um comunicado formal dos seus planos para a reforma fiscal anunciada durante a campanha. As medidas, que foram anunciadas como “a maior reforma fiscal na história dos Estados Unidos” incluem como ponto forte a redução de impostos para empresas, passando de 35% para 15%. Foram também propostas medidas como a abolição do imposto sucessório, a simplificação do imposto sobre rendimentos (de sete para três tranches), a redução do imposto alternativo mínimo (um imposto com o objetivo de evitar que grandes patrimónios pudessem beneficiar de várias deduções fiscais), a eliminação das deduções individuais ou a redução de até 20% do imposto sob ganhos de capital (capex) das empresas norte-americanas.

“Uma pessoa cínica diria que esta é uma tentativa de Trump para demonstrar ter algo de importante durante os seus primeiros 100 dias na presidência. Mas há que distinguir entre reforma fiscal simples reduções. A primeira teria sido sensata se fosse reestruturado o código fiscal em direção ao consumo e incentivo do investimento. Infelizmente, parece mais uma comum redução de impostos”, afirma Luke Bartholomew, estratega da Aberdeen.

O estratega destaca que os mercados deverão assumir este anúncio “como algo favorável, uma vez que estas reduções de impostos poderão ajudar o crescimento, independentemente das consequências para o défice a curto prazo”. De facto, Bartholomew afirma que “pode, inclusive, alimentar o rally de Macron”, mas insiste que, a longo prazo, “esta parece mais uma redução das ambições da Administração de Trump”.

“Este comunicado não surge como uma surpresa, mas sim como a confirmação do início daquilo que será uma árdua e prolongada negociação com o congresso. Até agora, o Freedom Caucus manteve a sua postura, o que sugere que as negociações serão complicadas”, explica Didier Saint-Georges, membro do Comité de Investimento da Carmignac. Na sua opinião, “a Administração Trump terá alguma sorte se a reforma for aprovada este ano e conseguir aquilo a que se propõe”.

Tal como o estratega da Aberdeen, Saint-Georges tem algumas dúvidas relativamente à dimensão das medidas: “um critério chave para avaliar o resultado final é se esta se trata de uma verdadeira reforma fiscal, que não terá impacto efetivo nas receitas do Estado a dez anos, ou se, pelo contrário, se trata de um acordo que a certo ponto expirará, dando lugar a mais uma crise no orçamento”.

Para o especialista, o único ponto positivo é que “a Fed está bem consciente da dificuldade que esta reforma enfrenta e não irá, tão cedo, endurecer ainda mais a sua política, nem através da subida de taxas ou reduzindo o seu equilíbrio”.

Withold Bahrke, estratega sénior macro da Nordea, foca-se igualmente nos grandes problemas que esta reforma enfrenta. O primeiro, a escassez de detalhes, “especialmente sobre o financiamento”. Os porta-voz da Casa Branca afirmam que o pacote fiscal será financiado pelos efeitos dinâmicos (por exemplo, uma recuperação do crescimento ou aumento do rendimento dos contribuintes). Para o estratega, esta afirmação “é uma ilusão e não irá convencer os deficit haws do Congresso”. O segundo grande problema é que “será praticamente impossível conseguir que o Congresso aprove esta proposta”, pois Trump necessitará de 90% dos votos.

A conclusão a que o especialista chega é bastante direta: “temos mantido a postura de que a agenda de Trump terá que assentar os pés na terra até ao final do ano, e as notícias de ontem (antes de ontem, quando foi anunciada a reforma) confirmam-no”.

Dito isto, Bahrke assegura que “no longo prazo, menos será mais em termos de estímulos fiscais”. Refere, ainda, que “ainda que um menor estímulo fiscal crie decepções no curto prazo, este poderá estender o ciclo e, portanto, o bull market de ações”. A razão está nas complexas engrenagens macro que o especialista expõe: “se Trump abrir a torneira da despesa fiscal agora que a economia se está a aproximar da plena capacidade, criará riscos de sobreaquecimento. Isto obrigará a Fed a subir as taxas mais do que o esperado (...). Este endurecimento adicional poderá resultar num avançar para o final do ciclo tal como conhecemos, resultando num cenário de elevados altos e baixos”.

Primeiros indícios de decepção

As bolsas norte-americanas receberam o anúncio com subidas extremamente moderadas, um sinal de que os mercados já tinham descontado a notícia. Vários profissionais da gestão começaram, de facto, a falar abertamente de um sentimento de desencanto: “Trump chegou ao gabinete com uma visão bastante audaz e macro, pelo menos uma vitória rápida, mas muitas das políticas por si propostas passaram apenas por um processo gradual deste então”, observam na Allianz Global Investors. Os especialistas da gestora afirmam que “parece que o apoio do Congresso será a chave do sucesso para muitas das iniciativas de Trump; sem ele, a sua habilidade para avançar com a sua agenda poderá ser bastante limitada”.

Estes pontos de vista geram três implicações para o investimento: “as expectativas do mercado para a Trumpflação deveriam ser mais baixas; o compromisso de Trump de um crescimento sustentável de 3%-4% pode ser difícil de cumprir (depende muito do crescimento da força laboral e da produtividade); se Trump suceder na redução da regulação, esta poderá beneficiar não só os serviços financeiros, mas também o sector energético, ainda que em menor medida”. Em todo o caso, os especialistas avisam que “em geral, os progressos serão mais lentos e levarão mais tempo do que muitos antecipavam”.

Nick Clay, gestor da Newton (filial da BNY Mellon), mostra uma postura parecida: “Os investidores estão a reavaliar a probabilidade de as políticas corporativas de Trump serem implementadas com tanta rapidez como o que se antecipava inicialmente, e pela primeira vez identificaram potenciais obstáculos”.

Clay opina que 2017 poderá ser o inverso de 2016: “Durante o primeiro semestre, os valores defensivos e a dívida pública perderão terreno na sua grande parte e os valores mais cíclicos dispararão; mas num momento ou outro voltará a aversão ao risco. Quando isso ocorrer, a nossa expectativa é que os títulos defensivos baterão os restantes e os cíclicos experienciarão uma correção”.