Reações das gestoras internacionais ao novo sell off nas obrigações

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Dean Bottrell, Flickr, Creative Commons

A sensação de já se ter vivido algo antes de ter sido vivido efetivamente apelida-se de dejà vu. O início do mês de junho para os mercados de obrigações está a lembrar bastante o arranque de maio, com novas vendas de dívida soberana, que estão a fazer com que a bund a dez anos tenha voltado para próximo de 1%, enquanto que a dívida espanhola e italiana agora se encontram perto dos 2,3%. Segundo dados da Bloomberg, a dívida alemã a dez anos caiu 42 pontos base num mês, ao passo que a dívida portuguesa caiu 74 pontos e a espanhola e italiana retrocederam 62 pontos respetivamente. O maior castigo voltou a ser para a Grécia, cujas obrigações a 10 anos roçavam os 11,3%  (perdas de 88 pontos num mês). Como consequência destas novas vendas, agora as gestoras internacionais começam a falar abertamente da possibilidade de reduzir a sua exposição a dívida soberana.

Marie-Anne Allier, gestora da Amundi, indica que “os participantes do mercado provavelmente eram conscientes do risco de liquidez que tinha nascido por causa dos prémios sobre os ativos: emergentes, high yield, periféricos... a realidade é que a dor veio de um dos ativos mais líquidos, as bund, e provavelmente ninguém estava bem posicionado para  aguentar as vendas, exacerbando o movimento”. A postura da especialista é de que há poucas razões fundamentais por detrás das quedas. “Sim, a inflação é um pouco mais alta do que a previsto, mas continua abaixo do objetivo do BCE. Sim, o crescimento parece mais robusto do que o antecipado, mas as previsões são muito baixas. Em suma, estamos onde quase toda a gente esperava ir: baixo crescimento, baixa inflação, mas não se trata nem de recessão nem de deflação”. Da Amundi sublinham que as vendas “são exageradas, especialmente na parte curta da curva (a bund a 5 anos em 0,25% é coerente com uma subida das taxas do BCE em meados de 2017)”, daí que perguntem se um aumento das taxas vai significar que o mercado está a considerar no preço uma primeira subida das taxas para finais de 2016.

Posto isto, Allier denuncia que “os fluxos são o principal motor (se não o único) das obrigações, e é difícil dizer onde é que o mercado pode parar”. “Quanto mais longo é o vencimento, mais difícil se torna”, acrescenta. Considera que prefere "uma duração mais elevada na parte curta ou média da curva em vez de uma duração mais curta, mas na parte longa é provavelmente uma aposta segura”.

Scott Thiel, diretor de investimentos de obrigações e responsável de obrigações globais da BlackRock, considera que a correção reflete o fracasso de três teses de investimento seguidos pelos investidores de obrigações europeias. A primeira tem a ver com a chegada da deflação ao continente: depois do aumento inesperado do preço do petróleo em abril reduziram-se as perspetivas de deflação e aumentaram as de inflação, pelo que “de repente ter obrigações negativas ou a taxas extremamente baixas faz ainda menos sentido”, explica Thiel.

A segunda tese que não se cumpriu é a de que os EUA e o Reino Unido continuariam a manter um comportamento superior ao de outros mercados, começando mais cedo do que tarde a endurecer as suas respetivas políticas monetárias. No entanto, o primeiro trimestre nos EUA voltou a ser decepcionante, enquanto que na Europa os dados macro surpreenderam em alta. A terceira e última assunção que falhou é da escassez esperada de obrigações que não se materializou”, explica o especialista, que na verdade, assinala que as emissões de dívida soberana governamental entraram em terreno positivo em maio.

Para o representante da BlackRock, os recentes aumentos de volatilidade nas obrigações “sublinharam que existem realmente dois factores em jogo nas obrigações, nenhum deles possível de mudar neste momento”. Estes factores são, por um lado, a forte influência das decisões dos bancos centrais, por um lado, e a falta de liquidez do mercado de obrigações por outro.

Para a equipa de obrigações europeias da Pioneer Investments, a causa das vendas foram as declarações de Mario Draghi, no passado dia 3 de junho, onde referiu que os investidores deveriam esperar uma maior volatilidade nas obrigações por causa das baixas taxas históricas. “Deu a impressão de que o BCE está relativamente despreocupado em relação à recente subida de quase 100 pontos base nas obrigações”, comentam. O ponto de vista dos especialistas da empresa é de que “com tantos investidores ainda sobreponderados em obrigações, e com um posicionamento de longa duração face ao índice, continuam a existir demasiados vendedores mas pouco compradores”. Curiosamente, da Pioneer consideram que a situação da Grécia não é tão preocupante para as obrigações europeias: “O mercado continua a estar relativamente complacente sobre um efeito de um possível incumprimento grego”.