Portugal é o grande perdedor desta batalha política

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Sébastien Bertrand, Flickr, Creative Commons

As últimas quarenta e oito horas colocaram Portugal sob ainda mais pressão. Assistiu-se, num país que há mais de uma década não apresenta crescimento, a demissão, primeiro, do ministro das Finanças, Vitor Gaspar, e segundo, de Paulo Portas, Ministro dos Negócios Estrangeiros e líder do CDS-PP, partida da coligação do governo. O nervosismo do mercado é evidente dadas as dúvidas que se colocam, agora, relativamente à execução das reformas que o país ainda tem que levar a cabo no âmbito do programa de ajustamento.

Queda do governo? Eleições antecipadas? Um segundo resgate?

Steen Jakobseneconomista-chefe do Saxo Bank referiu que "o governo português falhou todos os seus objectivos e esperou até Março deste ano para admitir que o crescimento iria cair o dobro do esperado. Apesar disso, tanto o Governo como a União Europeia continuam a considerar que 2015 será uma espécie de ano mágico em que o crescimento cairá do céu: o défice orçamental reduzir-se-á ajustando-se ao limite dos 3% e seremos testemunhas de uma reversão de 3% nas medidas de austeridade. Parece-nos algo bastante improvável". Portugal não terá necessidades de financiamento antes de 2014, embora o mercado tenha reagido de maneira bastante negativa aos acontecimento dos últimos dias. Jakobsen acrescentou, ainda, que é possível que o governo de Portugal caia nas próximas 48 horas embora o Primeiro-Ministro Pedro Passos Coelho tenha assegurado que não se demitia nem desistia do país. Perante este cenário, na opinião do economista-chefe do Saxo Bank, "Portugal pedirá um segundo resgate nos próximos seis meses".

Bank of America Merrill Lynch publicou hoje um documento dedicado a Portugal, no qual referem que, por um lado, "a crise poderá ser evitada dado que todos os partidos consideram que não deve existir qualquer recuo no programa de ajustamento neste fase", e por outro lado, que "mesmo que seja colocada de parte a hipótese de eleições antecipadas, a fadiga relativamente ao programa de ajustamento (e respectivas medidas de austeridade) irá fazer com que o risco se mantenha elevado e, portanto, esperamos um cenário de incerteza política daqui para frente o que poderá pesar na execução do programa". Para Pablo Cano, gestor da Aviva Gestión, concorda com o facto do nervoso dos mercados se dever à dúvida relativamente ao cumprimento do programa de ajustamento e à continuidade de execução das medidas que estavam a ser postas em prática. De forma pragmática "o que têm que fazer é substituir os ministros que se demitiram e manter os planos do país, as reformas e a data prevista de regresso à emissão de dívida (Setembro)".

No 'peripheral watch' do BofA Merrill Lynch é referido que para o mercado obrigacionista português, a actual pressão política ocorre num momento especialmente delicado. "Nos últimos meses, Portugal, da Zona Euro, foi um dos nomes de soberanos mais afetados, registando um grande alargamento dos 'spreads' para a Alemanha e um aumento ainda mais significativo nas 'yields'. Consideramos que o risco da combinação de 'yields' nos actuais níveis elevados e incerteza política reduzem a perspectivas de Portugal recuperar o total acesso aos mercados no próximo ano e aumentam a probabilidade de um novo resgate". 

Para Firmino Morgadogestor do fundo Ibéria da Fidelity, os próximos passos serão a apresentação de uma moção de confiança pelo Governo de Passos Coelho tentando manter-se no poder, embora a demissão dos ministros do CDS-PP coloque a mesma em causa. A queda do governo é um cenário mais que provável, tendo o Presidente da República, Cavaco Silva, duas opções: a primeira, avançar com a nomeação de um governo de salvação/iniciativa presidencial ou a convocatória de novas eleições. Esta é, por enquanto, a opção mais provável". Neste caso, e conforme refere o analista da Asinver, Javier Floresas sondagens mais recentes apontam para a vitória do Partido Socialista, o que significaria uma "suavização" da política de austeridade mas não uma mudança radical na política seguida". 

Gonzalo Lardies, gestor do fundo Banco Madrid Ibérico Acciones disse, por seu lado, que se manterão atentos aos próximos acontecimentos mas que "a verdade é que este movimento apanhou quase todo o mundo de surpresa. Não considero que seja de lhe dar a transcendência que lhe está a dar todo o mercado, embora qualquer foco de instabilidade gere sempre incerteza. Desconhecemos se por detrás da situação se encontra uma forte pressão social ou se se trata de uma simples crise de governo. As coligações estão sempre susceptÍveis a acontecimentos deste tipo", afirmou à Funds People.

E nos mercados...

"No curto prazo, contudo, haverá mais incerteza e isso deverá ser negativo para o mercado de acções português e por contágio o espanhol. Especialmente as empresas com maior exposição ao mercado interno e com maior alavancagem deverão incorrer numa situação de maior volatilidade, assim como os sectores mais ligados ao risco soberano, como a banca, telecomunicações e 'utilities'", referiu Javier Flores.

Firmino Morgado da Fidelity considera que, apesar da situação acarretar maior volatilidade ao mercado acionista , isto pode criar interessantes oportunidade de 'stockpicking'. Em linha com esta afirmação, Pablo Canogestor do Aviva Espabolsa, que recentemente incluiu pela primeira vez empresas portuguesas na sua carteira, aproveitaram para aumentar as suas posições, sendo a sua principal aposta a Galp.

Xavier Carulla, gestor do fundo Caja Ingenieros Iberian Equity, referiu que, durante as últimas semanas, os mercados experimentaram momentos de maior volatilidade por diversos motivos, sendo a incerteza relativamente ao futuro político de Portugal e a possibilidade de eleições antecipadas, um deles. "A incerteza política instaurada em Portugal, está a contagiar outros países periféricos onde se assiste a subidas das taxas de rendibilidade interna (TIR) das obrigações a 10 anos e dos prémios de risco. É de destacar a subida de hoje da TIR da obrigação do tesouro português a dois anos, que alcançou rendibilidades de 4,47%. Mostramo-nos cautelosos perante a actual situação de Portugal, esperando os próximos acontecimentos".