Porque é que existem investidores dispostos a comprar obrigações que negoceiam em negativo?

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theriver, Flickr, Creative Commons

A polémica em torno do uso de taxas negativas como ferramenta de política monetária tem tido um volte face. O FMI publicou no passado dia 10 de agosto um documento no qual, embora admitisse que a política do BCE tem tido “resultados satisfatórios”, refere que a sua colocação em marcha “apresenta desafios singulares na zona euro”. O mesmo documento sugeria que este tipo de políticas heterodoxas têm limites, questionando implicitamente a conveniência de continuar a aplicá-las, perante as distorções que estão a gerar nos mercados.

No leilão de dívida portuguesa desta semana, por exemplo, o Estado colocou 400 milhões de euros a uma taxa média de -0,108%. Em julho, ainda a título de exemplo, os investidores puderam presenciar o primeiro leilão do tesouro alemão de obrigações a dez anos com taxas negativas. Ambos os leilões conseguiram uma atrair considerável procura, o que faz questionar porque é que existem investidores dispostos a comprar obrigações que não oferecem nem cupão nem juros.

Craig Moran, gestor da equipa de investimentos multiativos da M&G Investments, aplica o enfoque de investimento baseado no behavioural finance desenvolvido pela entidade para encontrar uma explicação para este fenómeno. Moran explica uma série de motivos racionais que podem ajudar a perceber porque é que os investidores estão dispostos a comprar dívida pública a dez anos a uma taxa negativa.

Vendê-la a terceiros a um preço mais elevado

“A possibilidade de vender o ativo a alguém a um preço mais alto tem por base a esperança de que, se se aceitou uma perda garantida de 50 cêntimos num prazo de dez anos, outra pessoa estará disposta a aceitar uma perda garantida ainda maior durante um prazo de tempo mais curto, nos próximos dez anos”, explica o gestor. Ou seja, por detrás das compras das obrigações que apresentam esta anomalia está a aposta “em que os preços das obrigações continuem a subir e as yields continuem a baixar cada vez mais”.

 

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As taxas monetárias são negativas

Tendo em conta que a taxa de depósito atual do BCE é de -0,40%, “as yields da dívida pública alemãs próximas de -0,10% anualizados, já não soam assim tão mal, certo? Especialmente se nalgum momento esta taxa de depósito baixar ainda mais, embora ultimamente pareça que os responsáveis de política monetária começam a cansar-se de cortar as taxas”, afirma Moran ironicamente.

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Dito isto, o gestor recorda que para que a dita obrigação ofereça um rendimento superior ou menos mau do que o oficial, “dever-se-á manter as obrigações durante um período completo de dez anos e as taxas monetárias deverão manter-se nos níveis atuais”. Caso contrário, o que acontecerá é que o investidor “ficará à mercê do mercado relativamente ao preço ao qual poderá vender a dívida pública, na altura em que a quiser vender”.  O gestor explica que “a obrigação tem uma duration de dez anos, pelo que se as taxas de juro ou as expectativas das taxas de juro variarem apenas 1%, o preço das obrigações poderá cair até cerca de 10%”.

“Um substituto da taxa de depósito não deverá deixar o investidor à mercê do market timing. Embora as instituições estejam a utilizar as obrigações alemãs para investir a sua liquidez no muito curto prazo, parece ser uma aposta que poderá sair potencialmente muito cara dada a pouca rentabilidade que oferecem”, conclui Moran.

 

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Deflação

O pensamento económico convencional diz-nos que o dinheiro disponível para gastar hoje vale mais do que o disponível no futuro, pelo que os investidores deveriam ser recompensados por atrasar o consumo”, reflete o especialista. No entanto, pontualiza: “num contexto de queda dos preços poderá acontecer que 100 euros num prazo de 10 anos representem um maior poder aquisitivo do que 100 euros atualmente”.

Dada a história da inflação na Europa e os esforços que os bancos centrais de todo o mundo estão a realizar para superar a deflação, o gestor considera “um grande atrevimento apostar que a deflação se vai manter nos próximos dez anos para compensar as yields negativas atuais”.

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Quadro normativo

O marco normativo atual continua a favorecer a compra de dívida pública face a outros ativos. “No entanto, a médio prazo é difícil imaginar que os reguladores deem alento aos bancos e às seguradoras para comprar ativos com rentabilidades negativas garantidas”, aposta o gestor.

A expansão quantitativa do BCE

O especialista acredita que esta situação é na realidade uma combinação dos pontos 1 e 4: “Atualmente apenas existe um comprador não sensível aos preços  no mercado de dívida pública europeia. Qualquer investidor que não tenha que fazer fazer o match com responsabilidades tem capacidade para esperar que o BCE continue a comprar estas obrigações a preços cada vez mais altos, independentemente das compensações”.

A segurança

“Algo com o qual a maioria dos participantes estaria de acordo são as grandes hipóteses de recuperar o dinheiro se comprarem essas bunds, embora seja uma quantidade ligeiramente inferior ao que foi pago inicialmente”, observa o representante da M&G Investments. Isto leva o especialista a referir que  “o motivo mais provável que justifica que os investidores estejam a comprar estas obrigações é a segurança. Ou seja, a devolução do capital substituiu a rentabilidade do capital como máxima prioridade para os investidores.

A equipa de multiativos da M&G está em desacordo com esta tese: “Uma rentabilidade negativa garantida, de uma ativo mantido durante dez anos, parece ser um preço demasiado elevado a pagar por esta aparente segurança, sobretudo se tivermos em conta o preço histórico desse mesmo ativo seguro e ao qual poderá voltar a negociar se a preferência pelo risco ou os indicadores fundamentais variarem mesmo que muito pouco”, declara. “Quando é difícil encontrar motivos racionais para comprar algo, os investidores racionais não deveriam pensar vendê-lo?”, questiona.