Porque é que a poupança se move em níveis estruturalmente altos e o investimento é estruturalmente baixo?

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Tax Credits, Flickr, Creative Commons

Crescimento débil, inflação baixa, taxas de juro em mínimos ... O que explica a persistência destas condições nas economias avançadas? A hipótese do denominado ‘estancamento secular’ ou persistente, ou seja, um mundo caraterizado por uma procura mundial insuficiente em que a oferta de poupança supera a procura de investimento, constitui uma explicação muito plausível. Para além disso, se a hipótese estiver correta e estas condições se mantiverem, poderão advir consequências importantes para a política económica e para os investidores. Na Fidelity Worldwide Investment examinaram ao detalhe as evidências do aumento estrutural da poupança mundial, que geralmente se denomina de “excesso de poupança mundial”, e de descida estrutural do investimento mundial.

Os motivos pelos quais a poupança se move em níveis estruturalmente elevados...

Evolução demográfica: o auge dos “grandes aforradores”. Segundo explica a gestora, a poupança tem vindo a aumentar em muitos países desenvolvidos devido ao crescimento relativo dos segmentos da população que tendem a poupar mais. Em concreto, o modelo do ciclo vital de gastos e poupança de Modigliani diz-nos que os jovens geralmente “deixam de poupar”, ao passo que a poupança aumenta na etapa média do ciclo de vida, e depois acabam por fazer os gastos nos anos da sua reforma. Este marco é útil, porque clarifica que mais do que o envelhecimento em si, um factor chave tem sido o auge dos “grandes aforradores”, ou seja, esses grupos de população de idade mediana que têm receitas importantes e maiores incentivos para poupar e pensar na reforma.

Aumentam as desigualdades: os ricos poupam mais. A poupança também se tem vindo a incrementar devido à tendência de concentração dos rendimentos e da riqueza – claramente observável em muitos países – número cada vez maior de pessoas. No caso dos EUA, por exemplo, a percentagem de rendimento que acaba por estar nas mãos de 1% dos mais ricos tem aumentado para mais do dobro e passou dos 10% em 1980 para mais de 20%. Este facto é muito importante de um ponto de vista da poupança, já que os que ganham mais, geralmente, poupam uma percentagem maior dos seus rendimentos comparando com os grupos que possuem menores rendimentos e, visto que a este grupo chegam menos receitas, isso supõe um aumento da poupança total.

A poupança dos países emergentes: crescimento dos superávits e das reservas de divisas. Outro factor determinante é o aumento da poupança por parte da China, de outras economias emergentes e ainda de grandes países produtores de petróleo. Em todas estas regiões as exportações de mercadorias superaram as importações durante períodos prolongados, o que resultou em grandes superávits por conta corrente e maiores reservas de divisas. Em termos económicos, a consequência do superávit por conta corrente é que a poupança deve ser maior do que as oportunidades de investimento disponíveis nesse país, o que faz com que esse excesso de poupança seja investido noutros países, pressionando em baixa as taxas de juro em todo o mundo. Esta ideia percebe-se empiricamente tanto no rápido crescimento das reservas da divisas dos países emergentes durante a década passada como no enorme incremento do investimento estrangeiro em títulos do Tesouro dos EUA, sendo a China o exemplo mais prolífico.

... e as causas do investimento ser estruturalmente baixo

Descida do preço relativo dos bens de investimento: mais com menos. Um factor chave que ajuda a explicar a menor procura de investimento das empresas foi a descida estrutural do preço dos bens de investimento/equipamento, como as máquinas e os equipamentos, face ao resto das coisas que se produzem na economia. Assim, à medida que o preço dos bens de investimento desce, a mesma quantidade de dinheiro pode comprar maior quantidade desses bens. Esta ideia faz algum sentido se considerarmos, por exemplo, a capacidade de processamento que se pode comprar por uma quantidade oferecida hoje comparando com há cinco anos atrás, um facto que trouxe consigo uma transformação acompanhada de muitos benefícios, tendo aberto numerosas vias de inovação.

Menores necessidades de capital nas empresas: o mesmo, mais com menos. Outro factor que ajuda a explicar a fraqueza do investimento empresarial são as mudanças estruturais na economia mundial que fazem com que as empresas de hoje dependam menos do capital. Nos países da OCDE as rentabilidades sobre os fundos próprios recuperaram fortemente no período posterior à crise, mas o aumento do investimento foi moderado no mesmo período. Para além disso, as sólidas taxas de rentabilidade sobre os fundos próprios (ROE) que se têm observado recentemente tiveram como protagonistas um grupo comparativamente pequeno de empresas. No caso do S&P 500, por exemplo, unicamente os primeiros 10% das empresas (classificadas ROE) foram capaz de aumentar as rentabilidades de forma constante, enquanto que nas 90% restantes as rentabilidades evoluíram em torno de uma tendência que em geral foi plana.

Evolução demográfica: menos pessoas em idade de trabalhar. Embora os factores demográficos, sobretudo o crescimento dos grupos de idade onde se incluem os grandes aforradores, estejam a impulsionar claramente a procura da poupança (como se explica acima), também influenciam na redução da procura de investimento. Sabemos, com alguma certeza, que as populações estão a crescer mais lentamente e estão a envelhecer em média em praticamente todos os países desenvolvidos. Isto reduz o número de pessoas em idade de trabalhar (entre 15 e 64 anos), que é um elemento determinante para o crescimento económico a longo prazo. No caso da Alemanha e Japão, a população ativa já se tem vindo a reduzir durante a última década. À medida que se reduz o número de trabalhadores, diminui a procura de investimento, já que as empresas necessitam de menos bens de equipamento (ou seja, equipamentos, máquinas...) que, por sua vez, dependem do número de trabalhadores.

Incentivos empresariais: o auge da recompra das ações e das distribuição lucros. Essencialmente, as empresas podem usar de duas formas os excedentes de tesouraria: podem investir no negócio ou podem devolver o dinheiro aos acionistas através de dividendos e/ou recompra de ações. Durante os últimos anos, as empresas interessaram-se claramente por investir menos e pagar mais aos seus acionistas. Em 2014, as empresas não financeiras do índice MSCI AC World cortaram os seus investimentos em cerca de 6%, mas elevaram a remuneração ao acionista nuns consideráveis 15%. Isto parece ser parte de uma tendência antiga: em 1995 as empresas reinvestiram 3,89 dólares por cada dólar que pagavam aos acionistas, mas em 2014 a quantidade reinvestida situava-se em 1,70 dólares por dólar repartido.