Mercados quentinhos de mais?

Apesar de estar afastado da gestão profissional de ativos financeiros após 23 anos em atividade, acompanho os mercados até porque sou investidor. Os gestores, os conselheiros e os investidores em geral começam agora a ter uma vida menos fácil, dada a forte subida dos preços da generalidade dos ativos financeiros nos últimos anos.

Os fatores de risco abundam: uma eventual bolha de crédito e do imobiliário na China; as dificuldades económicas na Europa, traduzidas na revisão em baixa do crescimento do PIB; eventuais surpresas negativas nos resultados dos testes de stress a alguns bancos europeus; a mais que certa subida das taxas de juro nos EUA no primeiro trimestre / semestre de 2015; os conflitos regionais que fazem subir o risco geopolítico; os níveis baixos de volatilidade que traduzem um nível elevado de complacência por parte dos investidores; e os múltiplos de mercado dos principais índices bolsistas, nomeadamente o PER, que estão acima dos valores médios desde 2003, ano de início da recuperação das bolsas após a crise de crédito anterior à que vivemos.

Para contrabalançar, a economia americana está dinâmica; o recente anúncio do BCE de medidas pró crescimento é positivo, embora seja necessário que os governos procurem um equilíbrio entre o rigor orçamental e o aumento da procura agregada; a diminuição do preço do petróleo; a desvalorização do euro face ao dólar torna a economia e as empresas da zona euro mais competitivas; a possibilidade de as M&A e os buybacks de ações poderem aumentar; a robustez em geral dos balanços das empresas; e o aumento dos earnings (EPS) especialmente nos EUA e no Japão, embora se possa assistir em 2014 na Europa ao primeiro crescimento dos mesmos nos últimos 4 anos.

As bolsas estão em máximos históricos (S&P) ou em máximos de 5 ou 6 anos, com os mercados desenvolvidos a superarem os mercados emergentes. A minha principal preocupação neste momento nem é com os mercados acionistas. Já estiveram mais baratos, mas os múltiplos não são exagerados, tendo em conta que os earnings poderão crescer durante mais uns trimestres, sobretudo na Europa em que o ciclo está atrasado.

A minha principal preocupação é na dívida, seja ela governamental, corporate bonds (investment grade e high yield) ou mercados emergentes (sobretudo em moeda local). O fluxo de liquidez dos bancos centrais teve como consequência a subida generalizada dos preços da dívida em termos globais.

A subida das taxas de juro nos EUA fará o dólar valorizar-se especialmente contra moedas de economias emergentes. Esta situação poderá ditar por um lado o endurecimento da política monetária dos bancos centrais desses países e por outro lado, poderemos assistir a uma saída de capitais estrangeiros. Ambas as situações serão negativas para essas economias e provocarão quedas dos preços dos ativos, tal como aconteceu em ciclos anteriores.

Quando vejo a dívida pública alemã a 10 anos com uma yield próxima de 1%, a dívida de mercados emergentes com um spread médio de 260 pontos base, o spread médio das emissões investment grade nos 60 pontos base, o spread médio dos emitentes high yield nos 245 pontos base, começo a pensar: é apetecível o potencial de rendibilidade versus o risco? Aqui reside o problema e se pensarmos que a maior parte dos investidores portugueses são conservadores, as dores de cabeça dos gestores e dos conselheiros na seleção de investimentos vão aumentar nos próximos meses. É caso para dizer: ainda bem que nesta fase estou afastado da gestão profissional de ativos financeiros. Apenas tenho as dores de cabeça na seleção dos meus investimentos!...

(Imagem: re_birf, Flickr, Creative Commons)