Já terminou o ciclo bull market dos mercados?

Manuel_Arroyo
Cedida

Estamos perante o final do ciclo de subidas dos mercados? Esta é a grande pergunta que se estão a fazer atualmente os investidores perante o abrandamento vivido pela atividade dos últimos  meses, que tem obrigado a rever em baixa as perspetivas de crescimento económico para os próximos trimestres. Manuel Arroyo, diretor de Estratégia da J.P. Morgan AM para Portugal e Espanha, reconhece que muitas das perguntas que os clientes lhes fazem andam em torno desta questão. “A resposta é não. É verdade que a probabilidade de assistirmos a uma mudança de ciclo é hoje maior do que há seis meses, mas num contexto de crescimento económico e baixas taxas de juro faz com que o cenário continue a ser favorável para os ativos de risco, mais ainda tendo em conta que as valorizações não serem excessivas”, afirma.

Numa apresentação celebrada em Madrid, Arroyo reconheceu, no entanto, que “estamos numa fase madura do ciclo, na qual os mercados se adiantaram à recuperação económica e a política dos bancos centrais complicou a análise das valorizações”. Na verdade, se nada muda nos apenas dois meses que faltam para terminar o ano, o especialista assegura que 2015 ficará para a história como o ano em que se reajustaram as expectativas sobre o crescimento económico global, bem com o preço dos ativos. “Antes do verão, muitos ativos de risco não estavam corretamente valorizados. Agora, por outro lado, já estão refletidos no preço”. 2015 também será recordado como o ano em que a volatilidade voltou a marcar presença nos mercados, uma circunstância que o diretor de Estratégia da J.P. Morgan AM para Ibéria não acredita que deva ser visto como algo extraordinário.

“Isto é normal. Pouco normal foi o que aconteceu durante os últimos anos, já que os ativos de risco se comportaram muito bem num contexto de baixa volatilidade”, assegura. Lógico é também que, em anos em que os índices bolsistas registam subidas, existam momentos nos quais se produzem quedas interanuais muito significativas. Dá como exemplo o MSCI Europe, um dos principais índices do mercado de ações europeu. “As rentabilidades anuais conseguidas pelo índice são positivas em 27 dos últimos 35 anos naturais. No entanto, em todos esses anos existiram momentos em que o MSCI Europe estava a registar rentabilidades intra-anuais negativas”, explica. Os casos mais paradigmáticos foram os vividos em 1998, 2003 e mais, recentemente, 2009, quando o índice encerrou o ano com uma subida de 23% depois de ter estado a perder no início de março cerca de 26% (ver gráfico 1).

Outro dos grandes motivos que o faz pensar que o comportamento registado recentemente pelos mercados tem sido um mero reajuste dos preços, assenta nas razões que no passado justificaram fortes correções nas ações. “Historicamente, os bear markets caraterizaram-se por chegar a um contexto no qual se produzia, pelo menos, uma destas situações: cenário de recessão económica, um pico das matérias primas, um ajuste agressivo da política monetária, um ajuste agressivo da política monetária por parte da Reserva Federal ou então valorizações extremas. No ciclo atual estamos muito longe de ter de enfrentar um contexto que contemple alguma destas quatro situações. Isto não quer dizer que é impossível que os mercados caiam, mas sim que – ao fazê-lo – seria a primeira vez na história que ocorreria”, assinala. A correção mais dramática foi o crack de 29, quando o S&P 500 caiu 86% durante um período que durou 33 meses (ver gráfico 2).

Arroyo considera que, nesta ocasião, a principal causa de volatilidade no mercado foi o débil dado do PMI conhecido este verão na China, o mais baixo desde 2009. “Independentemente do facto do indicador não ser representativo, porque as medidas de estímulo que as autoridades estão a aprovar estão destinadas a um segmento de empresas que não estão refletidas no PMI, o dado foi decepcionante. Desde então, as somas têm melhorado e o peso do sector dos serviços na economia é maior. No entanto, na China existe um problema de excesso de capacidade no sector manufactureiro, imobiliário e financeiro. Também se vê, para além disso, a debilidade na procura, e começa a preocupar-nos a evolução do crédito do sector privado. Também nos tem surpreendido negativamente a maneira como o governo geriu a crise deste verão”.

Manuel Arroyo fica especialmente inquietado com este último aspecto. “A China adoptou uma série de medidas que acabaram por não convencer o mercado. Esta falta de credibilidade económica do país deixou de se sentir no balanço das empresas e não no mercado laboral, que se manteve estável. “A grande questão é se esse menor crescimento económico se vai traduzir na destruição de emprego, e se isso poderá desencadear tensões sociais”. Como nota positiva, o diretor de Estratégia da J.P. Morgan AM para Iberia destaca que a China não vai entrar numa crise ao estilo clássico dos países emergentes. “Têm reservas de moedas, baixos níveis de dívida pública e as famílias não entraram pela via do endividamento. O seu crescimento estabilizar-se-á em torno dos níveis atuais (6-7%)”.

Neste sentido, o especialista considera que os principais afetados pelo menor crescimento chinês serão os emergentes, que atravessam problemas cíclicos (debilidade do crescimento económico global, fortalecimento do dólar e queda do preço das matérias primas) e estruturais (factores demográficos, dívida, queda da produtividade e má alocação de capital em investimentos não produtivos). “Alguns emergentes encontram-se numa tempestade perfeita”. A chave, para Arroyo, passa por diferenciar. A J.P. Morgan AM engloba o ecossistema dos mercados emergentes em três blocos: países do norte de Ásia com um bom contexto macro, nos quais estão positivos (China, Taiwan ou Coreia do Sul); países que enfrentam reformas estruturais que já estão consideradas no preço dos mercados (México, Índia ou Filipinas) e países muito vinculados às commodities (Rússia ou Brasil).

Para o especialista, a divergência à qual estamos a assistir entre as economias emergentes e desenvolvidas é um fenómeno relativamente normal. “Em recessões, as correlações tendem para um, enquanto que em períodos de recuperação e expansão económica cada um segue o seu próprio caminho e existe uma maior divergência. A questão é saber se a deterioração das economias emergentes afetará as desenvolvidas. Eu creio que não”. A este respeito, Arroyo entende que a queda do crescimento do PIB dos EUA em torno de 1% é uma travagem pontual. “A economia americana recuperar-se-á  durante os próximos trimestres. Os principais sectores estão com bons desempenhos. A taxa de poupança está em níveis elevados e os cidadãos vão continuar a consumir. Vislumbramos mais debilidade no sector industrial e de manufactura, pelo que seguimos muito de perto a evolução do índice manufactureiro”. 

Segundo o diretor geral da J.P. Morgan AM para Ibéria, nos EUA a chave é a Fed e a sua política de taxas. “Por esta altura o mercado desconta uma probabilidade de 30% de que subam as taxas em dezembro. A economia americana está com um bom desempenho e não vemos razões para manter uma política monetária de emergência. Será bom assistir a uma subida de 25 pontos básicos mas, mais do que quando, o mais importante será o ritmo a que é feito, que prevemos que seja lento”, indica Arroyo. “A Fed já conseguiu aquilo a que se propôs sem tocar nas taxas. O dólar encareceu e as condições de crédito endureceram. O que se passou no mercado é equivalente não a uma, mas sim a várias subidas das taxas de juro. Essa é a grande ironia. No entanto, ao manter a incerteza sobre quando começar a subir as taxas está a gerar essa maior volatilidade nos mercados”.