“Infelizmente para os investidores que procuram rendimentos, os períodos de repressão financeira podem durar décadas”

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GotCredit, Flickr, Creative Commons

O ano de 2015 vai possivelmente terminar com o cenário mais complexo para as obrigações das últimas três décadas. Apesar desta complexidade recente, a necessidade de rendimentos continua a ser básica para os investidores, pelo que os especialistas do Deutsche AWM aceitaram o desafio de detectar as partes do mercado onde ainda restam oportunidades para a geração de income, e que refletiram no relatório “O desafio da rentabilidade”. O seu método para as identificar parte de uma visão panorâmica sobre o universo de obrigações, colocando em perspetiva o comportamento desta classe de ativos em relação à sua evolução histórica. Para o fazerem rapidamente chegam a esta observação: “Os investidores orientados para os rendimento enfrentam em 2015 um mundo mais complexo do que o das últimas décadas”.

Prosseguem, e fornecem um breve olhar sobre a evolução da classe de ativos, acompanhada por uma série de gráficos muito reveladores. O primeiro deles mostra por exemplo a evolução da dívida do Tesouro dos EUA desde 1871. O investidor pode constatar rapidamente que as treasuries negoceiam muito próximo do seu mínimo histórico. Para além disso, situam-se 53% abaixo da sua média de longo prazo (1871-2014), que é de 4,6%. Não são as únicas obrigações governamentais em condições anómalas: ao longo de 2015 entraram em terreno negativo as obrigações de menor duração na Bélgica, França, Alemanha, Holanda, Suécia, Suíça e Japão.

As anomalias também estão presentes na dívida corporativa. O gráfico seguinte mostra a compressão dos spreads de crédito ao longo da última década através da evolução dos índices Markit iTraxx 5 y HY e Markit CDX D5 IG. Pode observar-se uma tendência de queda continuada desde 2012 que fez com que no passado mês de junho os spreads tanto da dívida com grau de investimento como high yield negociacem abaixo das suas médias históricas na Europa e nos EUA.

A equipa de especialistas do Deutsche AWM concretiza num caso prático: que consequências trouxe esta queda generalizada da rentabilidade a um investidor que tenha investido 100.000 euros em dívida soberana, corporativa ou high yield europeia? A tabela ao lado reflete os rendimentos que teria obtido em quatro períodos distintos: 1999, 2004, 2009 e até junho de 2015. As diferenças são grandes;  por exemplo, quem tivesse investido em 1999 e tivesse mantido o investimento até 2015 veria que os índices que medem a evolução da dívida soberana europeia e da dívida corporativa caíram 72% e cerca de 78% respetivamente no período estudado, enquanto que o rendimento gerado pela dívida high yield contraiu 55%. “A dívida corporativa high yield gerou em média menos rendimento na primeira metade de 2015 do que geraram as obrigações soberanas em 1999”, entendem os autores do relatório.

Tendências noutras classes de ativos

Em seguida analisa-se o comportamento de outras classes de ativos e constata-se a queda generalizada da capacidade para gerar rendimentos noutras partes do mundo como as ações. “A recente queda da rentabilidade pode ser observada em todas as classes de ativos (tradicionais ou alternativos), e em todas as geografias”, comentam os especialistas. Com o gráfico seguinte pretendem sublinhar a convergência da queda dos ativos como as ações – através do índice MSCI World -, o high yield europeu, a dívida corporativa com grau de investimento, obrigações globais ou ativos alternativos, como infraestruturas e real estate.

Uma análise mais pormenorizada da rentabilidade apresentada em junho deste ano pelas categorias de ações globais, obrigações, crédito, real estate e infraestruturas no contexto das suas médias históricas dos últimos 15 anos leva-os a concluir que “em todas as regiões e classes de ativos, os atuais níveis de geração de rendimentos estão próximos de mínimos históricos recentes, excepto a rentabilidade por dividendo, que se está a mover bastante para a sua média de longo prazo”. Na opinião dos autores do documento, “este resultado é bastante interessante e veremos se uma rentabilidade por dividendo tão convincente em termos relativos se traduz em termos ajustados ao risco”.

Conclusões

À luz de todos estes dados, a conclusão a que a equipa do Deutsche AWM chega é muito clara: “As recentes quedas de rentabilidade nas obrigações e nas ações não são simplesmente um resultado das forças do mercado. Também refletem as mudanças nas políticas públicas desde a crise financeira de 2008/2009. Os especialistas lembram o termo “repressão financeira”, introduzido nos anos 70 pelos economistas Ronald McKinnon e Edward Shaw, empregue para descrever as medidas tomadas pelos governos para controlar as fontes fiscais e restringir a competição no sector financeiro.

“Os sintomas de uma política de repressão financeira incluem taxas de juro reprimidas (e usualmente abaixo da inflação), limites a taxas de juro, poupança forçada nas obrigações (por exemplo através de novas regulações bancárias), políticas de empréstimo direto, controlo da taxa de câmbio e impostos a transações financeiras. A imposição post crisis das taxas de juro zero ou próximas de zero, políticas de expansão quantitativa e de poupanças forçadas nas obrigações podem ser vistos como sintomas de repressão financeira", resumem.

O que implicam estas reflexões para os aforradores? “Infelizmente para os investidores que procuram rendimentos, os períodos de repressão financeira podem durar décadas”, respondem da gestora alemã. Têm por base o precedente histórico do período do pós-guerra depois da II Guerra Mundial, estudado pelas economistas Carmen Reinhart e Belen Sbrancia: este período esteve caraterizado pelas taxas de juro reais negativas sobre os depósitos e durou 35 anos. Deu lugar a um período sustentado de taxas de juro em subida entre 1981 e 2009, e segundo ambas as economistas, “as taxas de juro reais das economias avançadas voltaram para terreno negativo a partir de 2010 em diante”.