Estão os investidores a perder a fé nos bancos centrais?

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Beta cores, Flickr, Creative Commons

As últimas intervenções dos bancos centrais não causaram o impacto desejado. No início de fevereiro, o Banco do Japão (BoJ) decidiu levar a taxa de depósitos para terreno negativo, depois do seu governador (Haruhiko Kuroda) ter vindo a público dizer que está medida não estava contemplada. Mario Draghi, em dezembro, decepcionou o mercado com o não ampliar do programa de aquisição de ativos por parte do BCE, depois de ter preparado o mercado com declarações que iam em sentido contrário, e na reunião de janeiro insinuou que poderá ampliar o programa no próximo mês de março. Janet Yellen mostrou-se ambígua na sua última comparência semestral ao Congresso dos EUA, no que toca à subida da taxa de juro por parte da Reserva Federal. Entretanto, a correção continua viva nos mercado. Estarão os investidores a perder a fé nos Bancos Centrais?

A confiança do mercado nas politicas do bancos centrais está a deteriorar-se”, afirma Joseph V. Amato, diretor de investimentos em ações da Neuberger Berman. Embora admita que as ações monetárias servem para mitigar os riscos dos últimos anos, “agora a preocupação maior é ficar sem opções para lidar com o fraco crescimento atual e o risco de deflação”.

Ao mesmo tempo, Amato contextualiza os esforços das autoridades monetárias: “Os bancos centrais não são mágicos. Não podem resolver de forma unilateral todos os desafios económicos que enfrentam em todos o mundo”. O profissional recorda que, embora os governos estejam a trabalhar, vai passar algum tempo até que se comecem a recolher os ganhos das suas reformas: “Se os mercados continuam a ter apenas a FED e os outros bancos centrais para vigiar o rumo político, com as suas ferramentas cada vez mais limitadas para os problemas que enfrentamos, sem precedentes, não deveria ser uma surpresa a volatilidade ter chegado para ficar”, conclui.

“Acredita-se que as taxas de juros (incluindo as negativas) sempre são um estímulo, enquanto que umas taxas mais elevadas são sempre restritivas. No entanto, os riscos podem aumentar exponencialmente quanto mais baixo forem as taxas de juro e quanto mais tempo permaneçam nesses patamares”, adverte Scott Mather, diretor de investimento da PIMCO. O especialista refere que “parece que a política de taxas de juro negativas não teve um impacto especial sobre o crescimento ou sobre a inflação, ou aumentou as expectativas sobre o crescimento futuro ou da inflação”, mas sim, na sua opinião, “parece que os mercados financeiros vêm esses movimentos experimentais como desesperados e, consequentemente, prejudiciais para a estabilidade económica e financeira”.

Mather afirma que “no mínimo, a política de taxas de juro negativas está a contribuir para a volatilidade dos mercados financeiros nos últimos meses”. Além disso, considera que a entrada em território negativos “é, possivelmente, um dos maiores catalisadores por trás do endurecimento das condições financeiras globais”. Em concreto, acredita que este tipo de politicas pode ser responsável por um “alargamento dos prémios de risco de crédito e mas ações, o incremento da volatilidade e a redução da disponibilidade de crédito num sistema bancário mais stressado”. Em última análise, Mather acredita que as taxas de juros negativas “podem ajudar a reduzir as expectativas de inflação  embutidas nos ativos financeiros em vez de incentivar uma antecipação do regresso da inflação ao seu objetivo”.

Os efeitos anormais das políticas cada vez mais acomodatícias estão a voltar a ser mais evidentes. Tal como indica Tanguy Le Saout, responsável de obrigações europeias da Pioneer Investments, depois do BoE ter atualizado a sua política monetária, dia 5 de fevereiro, o yen voltou a valorizar-se. Na Zona Euro, apesar das últimas mensagens do BCE, o Euro também recuperou a tendência ascendente. “Porque é que o fortalecimento das duas divisas aconteceu quando os bancos centrais estão a sinalizar taxas de juro mais baixas? A explicação mais comum é que tudo tem a ver com o dólar”, assinala o especialista da Pioneer.

Le Saout recorda que, face às mensagens da Fed e à direção que indica o último gráfico de projeções das taxas de juro dos membros do Comité Federal do Mercado Aberto (FOMC), “o mercado apenas está a considerar no preço uma subida das taxas da Fed, em todo o ano de 2016”.

A maior fonte de preocupação está na Fed

Sobre a política da Fed, Michael Hasenstab, diretor de investimentos global macro, da Franklin Templeton Investments: “A Fed tem vindo a assinalar um endurecimento monetário muito gradual daqui em diante: a média de expectativas do FOMC prevê quatro subidas de taxas de 25 pontos base em 2016, e prevê também que as taxas de juro subam 3,3% no final de 2018”. Hasenstab comenta que este ritmo se baseia “na assunção de que, mesmo que o mercado de trabalho alcance o nível de pleno emprego, o ritmo de crescimento económico deverá continuar a ser moderado, e a inflação  não alcançará o objetivo de 2% antes do final de 2017”.

Na opinião do especialista, o problema está no facto de que, segundo os modelos empregues na Franklin Templeton, “a inflação superará as expectativas da Fed no final de 2016”. Ao materializar-se esta previsão, Hasenstab acredita que “poderá desencadear-se uma resposta monetária mais rápida, ou elevar-se a preocupação de que a Fed vá atrás da curva”, provocando, em qualquer dos dois cenários, uma subida das taxas do mercado.

O FOMC está a usar a ferramenta das taxas de juro para dois propósitos (gestão do ciclo de negócio e estabilidade financeira) com a esperança de que os requerimentos  de ambos  permaneçam (bem) alinhados”, explica Nicolas Doisy, economista chefe da Amundi. Na sua opinião isto significa que esta estratégia obriga a Fed a tentar matar dois coelhos numa só cajadada e, por conseguinte,  infringir uma regra elementar da política montária: um objetivo, uma ferramenta”.

O problema, segundo Doisy, é que embora se tenha reduzido o desemprego o consumo não está a melhorar nos EUA. Em concreto, o especialista indica que “o crédito às famílias se tem debilitado muito desde finais de 2015”. Neste contexto, acredita que “agora a Fed deve acertar no alvo certo, com o equilíbrio adequado entre dois objectivos possivelmente em conflito entre si”.