Eleições no Reino Unido: O que representaria uma coligação para as negociações do Brexit?

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Leandro Stevens, Flickr, Creative Commons

Falta apenas um dia para as eleições no Reino Unido. Aquele que há umas semanas parecia um resultado previsível, ganhou agora uma certa dose de incerteza, com base nas últimas sondagens. Notou-se uma redução da diferença entre o Partido Conservador – ainda favorito, e o Partido Trabalhista – que sofreu uma grande derrota há um mês, nas eleições locais.

Felipe Villaroel, gestor da Vontobel AM, considera importante, antes de analisar possíveis cenários, recordar algumas particularidades sobre o sistema eleitoral britânico. Villaroel explica que o próprio desenho do sistema torna difícil “prever a composição do parlamento, utilizando dados agregados de intenções de voto ou sondagens”. Quer isto dizer que “o partido que obtém a maioria no parlamento, não tem que ser necessariamente o que obteve mais votos”. Por outro lado, apesar do recente avanço do Partido Trabalhista, o gestor esclarece que “a probabilidade de vermos uma maioria dos Trabalhistas no Parlamento continua a ser muito baixa”. Além disso, afirma que o impacto do resultado eleitoral “não será tão forte como aquele que vimos no resultado do referendo do Brexit”.

O gestor considera ainda que “o cenário mais próximo do atual” seria aquele em que Theresa May ganha as eleições com uma maioria reduzida. Isto significaria que “a possibilidade de um cenário de um Brexit disruptivo continuaria em cima da mesa”, com o consequente aumento da incerteza política a curto prazo. Villaroel indica que isto “seria positivo para as GILT, negativo para a Libra e parcialmente negativo para os spreads”.

Na opinião do representante da Vontobel, a reação mais exagerada poderia ocorrer no caso de uma vitória de Anthony Corbyn, por ser o cenário menos provável: “veríamos quedas na libra e aumentos nos spreads”. Por outro lado, vê como mais incerto o efeito sobre as GILT’s: “Poderia desencadear-se uma venda de GILTs, dado que a administração Corbyn significaria défices mais elevados e um retorno menos favorável para as empresas. Mas também se poderia produzir um certo número de operações risk off, que poderiam apoiar os preços dos GILT’s, pelo que o resultado é mais incerto”.

Uma coligação cada vez mais provável

Atualmente, o Partido Conservador dispõe de uma maioria de apenas cinco lugares no parlamento britânico. No momento em que Theresa May, atual Primeira Ministra, anunciou em março a sua decisão de antecipar as eleições, a sua popularidade era tão alta que as sondagens apontaram inicialmente para uma recuperação de cem lugares adicionais para a causa conservadora. “Tendo em conta alguns erros técnicos que cometeu no período anterior às eleições, há uma grande probabilidade de conseguir liderar com apenas 30/35 assentos de maioria; assim, reduzir-se-ia a sua capacidade de negociar em grande escala”, aponta Hartwig Kos, Vice Diretor de Investimentos e Co-Responsável da Equipa de Multiativos da SYZ AM.

Para Kos, o mais importante é que “o mercado está agora a assumir o facto de que o resultado das eleições poderá ser muito mais justo do que aquilo que se esperava num primeiro momento”. O especialista destaca a forte queda da libra nas últimas semanas e o bom comportamento das ações britânicas.

O cenário previsto pela SYZ AM é de que May ganhe as eleições, mas com uma margem mais reduzida do que se estava à espera. Embora com uma probabilidade muito baixa, o responsável fala da existência de “um tail risk em que se forme um parlamento onde nenhum partido conta com lugares suficientes para ter uma maioria”. Seria um resultado com “um impacto muito forte em todas as classes de ativos britânicas e na libra em particular. Além disso, provavelmente forçaria Theresa May a demitir-se do cargo de Primeira Ministra”. Também “aumentaria o risco das negociações entre o Reino Unido e a Europa terminarem sem nenhum acordo substancial”.

“No caso de ter de se chegar a uma coligação, a vantagem esperada por Theresa May de obter uma maioria mais sólida face às negociações sobre o Brexit, perder-se-ia, o que implicaria negociações mais dilatadas no Parlamento como vimos anteriormente no momento de ativar o artigo 50”, comenta François Raynaud, gestor da Edmond de Rothschild. Isto acrescenta que “a postura de May de começar uma estratégia com posições duras, para não dizer irrealistas, com a esperança de obter o melhor acordo, estaria debilitada”.

Como seriam as negociações do Brexit?

À medida que os trabalhistas foram cortando posições aos conservadores, rapidamente os especialistas foram calculando os possíveis cenários em aberto nas negociações do Brexit. Tal como indica Raynaud, se May ganhar provavelmente vai haver um hard Brexit: “Como temos visto nas últimas reuniões, as divergências com os europeus são notáveis devido à estratégia intransigente de May, que deu lugar a um risco de ausência de acordo”.

O especialista indica que a posição de Corbyn em relação às negociações sobre o Brexit “é menos clara”, embora recorde que “tenha dito abertamente que um acordo seria melhor do que nada, e que era sua vontade preservar os direitos dos europeus que residem no Reino Unido”. Por isso, infere que uma vitória trabalhista “traria um ponto de partida mais fácil às negociações, diminuindo fortemente o risco de se produzir um Brexit duro”.

“Se ganharem os Trabalhistas, podemos assumir que as negociações do Brexit se suavizariam”, afirma François Rimeu, diretor de Cross Assent na La Française AM. Nesse caso, o especialista indica que “deveríamos ver aumentos nas taxas de juro do Reino Unido, um incremento no valor da libra e, como consequência, uma queda nas ações britânicas”. Os investidores não deveriam descartar a possibilidade de “um movimento de 30/40 pontos básicos nos GILT”. Não obstante, Rimeu observa um padrão fora do normal: “Desde que a diferença nas sondagens se começou a reduzir, a reação do mercado não foi o que esperávamos, com taxas mais baixas e uma libra também menor”.