É a Irlanda o espelho no qual Portugal se revê?

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RafaTramsLisbon, Flickr, Creative Commons

O passado dia 15 de dezembro ficou na história, como sendo o dia em que a Irlanda terminou de pagar os 85.000 milhões de euros do seu resgate financeiro. “A Europa pode considerar o exemplo irlandês como uma história de êxito, pela maneira como “socorreu” um dos seus estados membros”, afirmam os especialistas da Amundi, numa análise recentemente publicada sobre a  situação económica do outrora “tigre celta”. “Evidentemente que a crise financeira irlandesa foi muito diferente da crise grega ou portuguesa, mas a sua resolução é exemplar por duas razões”, acrescentam.  A primeira está relacionada com os sacrifícios que a sociedade irlandesa aceitou, enquanto a segunda tem a ver com o facto da economia da ilha, graças à sua flexibilidade, já cumprir com alguns dos standards definidos pela Troika e pela Alemanha. “Gostaríamos de ver os outros países europeus a fazerem o mesmo”. 

Gero Jung, economista chefe da Mirabaud, acredita que “a recuperação da economia irlandesa está a emergir”, pelo que prevê que a taxa de crescimento do seu PIB poderá alcançar 1,7% este ano. “A postura dos bancos em relação à concessão de crédito será importante para ajudar na recuperação da procura doméstica e da produção industrial, que ganhou força em novembro. Esta tendência positiva deverá continuar”, assinala o especialista. No entanto, ressalta que o aumento das taxas de juro da dívida dos EUA pode afetar a procura de títulos irlandeses, pelo que o diferencial poderá ampliar-se como consequência.

Considerando a gravidade do choque recebido pela economia grega, a pergunta que agora se impõe é se Portugal será o próximo país a pagar o seu resgate, considerando que a última parcela será entregue pela Troika já em maio. 

 Estará Portugal em condições de seguir o exemplo irlandês?

Gero Jung prevê que a economia nacional cresça cerca de 1% em 2014 (mais precisamente 0,8%). Para além disso, o especialista realça os bons resultados do leilão realizado no passado dia 9 de janeiro, onde foram colocados 3.250 milhões de euros em obrigações a 5 anos, com uma rentabilidade de 4,65%. O leilão terminou com um amplo rácio de cobertura, sendo 88% dos participantes investidores institucionais. Para o especialista, isto “pode ser visto como um sinal positivo de que Portugal será capaz de se financiar sozinho no mercado de capitais”. “Para além disso, a rentabilidade das obrigações a 10 anos diminuiu substancialmente e pode esperar-se que caia abaixo dos 5% em junho”, assinala Jung. 

A economia portuguesa parece ter batido no fundo em setembro de 2013, e agora está a melhorar gradualmente”, prossegue o responsável da Mirabaud, que espera que os resultados finais da conta corrente do país sejam positivos, graças ao aumento da estabilidade das exportações e importações. Confiante está também na capacidade do Governo português se ajustar ao objetivo de 4% de défice fixado pelo FMI. Neste sentido, dentro do programa de reformas, o especialista vê como um sinal positivo que poderia encorajar o investimento estrangeiro, a proposta de redução do imposto de sociedades de 31% para 18%, juntamente com a redução dos gastos públicos. 

Jung também assinala alguns pontos negativos da economia nacional: os custos unitários do trabalho registaram uma fraca melhoria no sector privado e, na verdade, aumentaram em 2013 para ser restabelecido o pagamento extra dos funcionários, que tinha sido suspenso em 2011-2012. Por outro lado, o crédito ao sector privado reduziu-se cerca de 4,4% no ano passado, num momento em que a banca portuguesa continuou a tentar reduzir a dívida dos seus balanços. Repare-se que o sector bancário português é o mais alavancado da Europa, ao ter um rácio de crédito sobre depósitos de 140%.

Os riscos parecem mais elevados para Portugal do que para a Irlanda, e apontam uma retração económica. Por exemplo, a demasiada alavancagem, uma recuperação europeia mais fraca, e melhorias apenas no custo da competitividade, podem debilitar a recuperação. O consenso político também é menor do que na Irlanda e o facto do Tribunal Constitucional legislar contra algumas reformas importantes aumenta a incerteza em relação ao futuro”, resume o especialista. 

O economista-chefe da entidade suíça faz uma última apreciação: não se deve esquecer que o financiamento através do FMI é mais barato que emitir diretamente no mercado primário, “e pode ajudar a fazer a transição para o financiamento puramente de mercado”. Desta forma, se Portugal pedir um segundo resgate, como se especula, na opinião de Jung seria mais apropriado que o nosso país solicitasse uma linha de crédito temporal, como fez Espanha para resgatar o seu sistema financeiro em junho de 2012.

Investir em valores, não na economia 

Embora destaque a melhoria do PIB português (foi aquele que mostrou maior nível de crescimento na UE), Firmino Morgado, gestor do fundo FF Iberia, não se esquece de avisar que “os desafios  políticos e económicos, no entanto, vão permanecer em 2014, enquanto o país procura maneiras de alcançar a força exportadora para reequilibrar a balança comercial,  para além do consumo interno”. “Em termos de perspetivas de curto prazo, muito dependerá da implementação efetiva e contínua de reformas estruturais”, nota o gestor, que apesar de ser um selecionador de ações com um estilo bottom up, diz-se consciente do panorama económico. O especialista acrescenta se fosse necessário um elemento de reestruturação da dívida (2.º resgate), este serviria para aliviar as pressões domésticas e melhorar o consumo interno”.

No seu papel de gestor de um fundo de ações, Firmino Morgado insiste que “os investidores devem ter em mente que estão a investir em empresas e não em economias”. O especialista expressou a sua crença de que “à medida que as correlações nas bolsas continuem a cair e os investidores se tornem cada vez mais discriminatórios , 2014 deverá ser um bom ano para os selecionadores de ações”.  Neste sentido, o gestor da Fidelity entende que apesar do bom desempenho do PSI20 durante o segundo semestre de 2013, o indicador ainda tem uma grande tendência de crescimento. “Se nos estendermos à região Ibérica, empresas como a Inditex e a Amadeus IT, apoiadas pela procura global devem beneficiar de uma recuperação mais sustentada. NH hotéis é outra empresa altamente orientada para a recuperação” , diz o especialista, que termina acrescentando que graças ao processo de recapitalização e consolidação, algumas entidades bancárias também terão oportunidade de recuperar. 

Perante a melhoria dos indicadores macro, cada vez mais empresas de gestão consideram ser atrativo o investimento nos países periféricos. Uma das últimas pessoas a corroborar desta ideia, foi Scott Thiel, chefe adjunto da equipa de obrigações da BlackRock, quando declarou à Bloomberg que a empresa subpondera ou tem posições curtas em bunds alemãs na sua carteira. “Atualmente preferimos expressar a nossa visão positiva em relação à periferia, em países como Portugal, Eslovénia, Irlanda e Itália”, reconheceu. 

Nicholas Waleswki, fundador da Alken, também afirmou numa visita a Espanha que está interessado em alguns valores portugueses, já que considera que Portugal é um dos países que vai beneficiar da redução dos custos do capital. Para o gestor, países como Portugal ou Finlândia negoceiam sempre com desconto a longo prazo. Ainda assim o especialista admite que não pode investir em tantos valores nacionais como gostaria, já que o mercado nacional oferece uma liquidez inferior. Atualmente a Valeo é um dos valores favoritos de Walewski, que afirma que esta empresa conseguiu bater em 10% anuais no mercado global.