Crise total: O que se está a passar na bolsa chinesa?

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Artemuestra, Flickr, Creative Commons

Na semana passada, enquanto o referendo grego reunia praticamente toda a atenção mediática, a bolsa chinesa vivia uma crise particular. O Shanghai Composite Index – principal índice bolsista do país – registava uma queda de 30% do seu valor desde o máximo alcançado a 12 de junho. Para se ter termo de comparação importa realçar que as perdas acumuladas, de mais de 2,8 biliões de dólares, superam a capitalização de mercado da França. O que provocou este ‘desastre’?

Na opinião do regulador chinês, as quedas respondem a um ataque dos especuladores: por isso proibiu que fossem assumidas posições curtas, e na passada quinta-feira anunciou que iria colocar em marcha uma investigação para determinar se o mercado foi manipulado. No entanto, como afirma James Mackintosh no blog FT Alphaville (pertencente ao Financial Times), “a bolsa não está a cair por causa da venda das posições curtas, mas sim por causa da venda de posições longas”, disse fazendo referência ao grande número de investidores que começaram a desfazer-se de posições depois das intensas compras do ano passado, que levaram o nível das ações para valores extremos: as duas maiores empresas do índice tecnológico Chinext, por exemplo, negoceiam a mais de 100 vezes o seu PER. “Quando o único motivo para comprar ações a preços caros é a esperança de as vender a outro preço ainda maior, a constatação de que já não restam loucos a quem vender implica que os preços apenas só possam ir numa direção”.

Ainda assim os especialistas da Deutsche Asset & Wealth Management (Deutsch AWM) não veem motivos para pânico. Embora reconheçam que os mercados chineses de ações são débeis, entendem que estes vaivéns de mercado se inserem “num processo de longo prazo para a liberalização do mercado de capitais”, e esperam que a volatilidade prossiga, já que “os valores negociados no mercado doméstico continuam a ser impulsionados pela procura de investimentos privados e pelas condições impostas pelo Estado, mais do que pela sua valorização”. Por isso, na entidade alemã optam pelas ações de empresas de qualidade cotadas no índice Hang Seng. Da J.P. Morgan AM preveem novas quedas. “O comportamento recente da bolsa chinesa assemelha-se ao rally vivido em 2007 e que se manteve ao longo do ano. As semelhanças são tão grandes que a correlação entre as duas séries é quase perfeita (ver gráfico). O comprador deve ter cuidado”, aconselham.

Reação das autoridades chinesas

Numa tentativa de travar as quedas, as autoridades chinesas colocaram em marcha várias medidas para reforçar a confiança do mercado. Por um lado, o banco central baixou as taxas de juro em 25 pontos base adicionais – é a terceira vez que baixam em seis meses – e reduziu o coeficiente de reservas obrigatórias em 0,5% para os bancos que emprestam ao sector agrícola e às PMEs. Para além disso, o regulador retirou o rácio de empréstimos/depósitos (que mede a alavancagem da banca) de 75%, uma decisão que foi muito bem recebida pelo sector bancário continental chinês, já que “permitirá aos bancos emprestar mais livremente e poderá traduzir-se numa injeção de até 6,6 biliões de yuanes de liquidez no sistema financeiro”, apontam da Aberdeen.

O regulador anunciou também que irá travar os IPO, com o objetivo de libertar dinheiro para comprar as ações existentes. Mas talvez a medida mais controversa tenha sido a flexibilização das exigências de colateral para que os investidores possam manter –ou até aumentar – as suas posições alavancadas. Sob as novas normas aprovadas na passada quarta-feira, os intermediários bolsistas poderão aceitar quase qualquer coisa como garantias, desde antiguidades a vivendas, o que poderá por acabar por agravar ainda mais o potencial imobiliário da China.

A situação da bolsa acelera um hard landing?

Da Schroders, Craig Botham, Emerging Markets Economist, debruça-se sobre uma eventual relação entre este crash dos mercados e o desencadear de um hard landing chinês. “Acreditamos que a economia real ainda é suficientemente desagregada dos mercados de ações, pelo que o impacto no crescimento deve limitar-se às empresas implicadas, e aos agregados familiares com mais património que têm participação neste tipo de rally. Muitas das empresas não confiam ainda no mercado de capitais para se financiarem”. 

Implicações para a economia mundial

E para a economia mundial, quais poderão ser as implicações? Embora os economistas e estrategas do Bank of America Merrill Lynch (BofAML) acreditem que a economia, as bolsas e a divisa chinesa enfrentarão riscos de queda durante os próximos dois ou três trimestres, diversos factores levam-nos a descartar um contágio. “A correlação entre as bolsas chinesas e os preços dos ativos mundiais é baixa; na verdade, a  única correlação que aconteceu nos últimos doze meses com o rally da bolsa de Xangai, foi a queda dos preços do petróleo”.

Os especialistas assinalam que ativos como o dólar australiano ou as matérias primas já não mostram forte correlação com a evolução da economia chinesa de há uma década. “Os investidores já estão muito subponderados em mercados emergentes e commodities, tradicionalmente correlacionados coma China, o que implica que já descontam, pelo menos parcialmente, um impacto negativo do crescimento da bolsa”. De qualquer forma entendem que a atividade económica chinesa teria que se deteriorar muito mais antes que qualquer tipo de contágio pudesse acontecer.