Aumenta a incerteza na Europa: as gestoras analisam as implicações de uma vitória antieuropeia na Grécia

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lorenzog., Flickr, Creative Commons

Por volta de 12 de dezembro especulava-se se a Grécia poderia voltar a reviver a pesada crise da dívida soberana, caso o lugar deixado por Antonis Samaras para cimentar a posição de Stavros Dimas, candidato conservador, "desse para o torto". Apenas duas semanas mais tarde, uma vez esgotadas as três voltas previstas pela Constituição grega para este tipo de eleições, o Parlamento teve de ser dissolvido e as eleições acabaram por ser adiantadas para 25 de janeiro. As reações não se fizeram esperar, espcialmente do FMI: perante a probabilidade do Syriza ganhar as próximas eleições, a entidade presidida por Christine Lagarde suspendeu as negociações de entrega da próxima tranche de ajuda financeira, esperando a concretização das eleições.

“Depois da sua pior crise económica da história, a Grécia está apenas a começar a emergir de seis anos de recessão. Agora enfrenta mais incerteza e, no pior dos casos, uma possível saída da zona euro”, adverte Stevenson. O especialista da Fidelity Worlwide Investment recorda que com compromissos pendentes de pagamento na ordem dos 5.000 milhões de euros no primeiro trimestre de 2015, “a ameaça de um incumprimento desordenado está a voltar a assombrar o país, reavivando os medos que provocaram “ondas sísmicas” nos mercados financeiros em 2011 e 2012”.

O representante da Fidelity vais mais além e afirma que “a eminente eleição grega e o seu potencial sísmico sobre a zona euro e os mercados financeiros significa que as questões políticas permanecem nos radares dos investidores”. Recorda assim a forte influência que os processos eleitorais na Índia, Indonésia e Brasil tiveram nos mercados, bem como o referendo na Escócia. “Parece que 2015 não vai ser menos político, com o voto da Grécia seguido das eleições gerais no Reino Unido, em maio”, indica Stevenson, embora por outro lado sublinhe que “se as coisas resultarem mal depois das eleições gregas, pode ser que as eleições no Reino Unido sejam o menor dos males”.

E se o for o Syriza a governar?

O possível triunfo da formação de esquerda liderada por Alexis Tsipras (na imagem) é o que mais preocupa os investidores, já que este partido antieuropeu tem como promessa eleitoral não continuar a pagar o resgate da Troika nas condições atuais. Holger Sandte, chefe de análise europeia da Nordea, tem dúvidas quanto às suas possibilidades de ganhar. “É possível que outros partidos encontrem pontos suficientes em comum para formar uma coligação anti-Syriza. Também seria muito provável que o Syriza necessitasse de um companheiro de coligação, possivelmente o partido de centro-esquerda Pasok, parceiro do governo atual. Poderão ser necessárias várias semanas de negociação para formar um novo governo que seja estável”.

Uma vez referidas estas dúvidas, Sandte desconstroí algumas das características que foram sendo atribuídas ao partido grego: “O Syriza costuma ser caraterizado como anti-resgate. No entanto isso não significa que um governo presidido pelo partido queira ou vá quebrar todos os acordos com a Troika. São muito mais prováveis as negociações”. O especialista acrescenta que “na realidade o presidente do partido, Alexis Tsipras, não quer que a Grécia saia do euro, quer sim desfazer reformas fiscais pouco populares e negociar uma redução com os credores internacionais”. Assim, a visão da Nordea é de que uma coligação presidida pelo Syriza estaria rapidamente com pouca margem de manobra “e, por isso, seria obrigada a acordar um novo programa de reformas com os credores da Grécia”.

Da J.P. Morgan AM o estratega de mercados globais Alex Dryden considera que não se voltará a repetir a catástrofe de 2012 – o tumultuoso processo eleitoral que aconteceu na altura deu lugar a um Parlamento ingovernável e a um segundo resgate -, mas afirma que “a situação da Grécia ilustra o dano político provocado pela lenta recuperação europeia dos partidos tradicionais praticamente em todo o lado”. Dryden estabelece uma série de comparações entre 2012 e a atualidade, começando pelo Syriza, partido fundado há dois anos. “Muitas das posturas que o Syriza adoptou primeiramente eram inviáveis e perturbadoras, no entanto a sua formação evoluiu e maturou-se, sendo a retórica dos líderes atuais mais conciliadora”. Explica que “já não defendem a saída da Grécia do Euro, mas referem que estão dispostos a trabalhar com a comunidade internacional para renegociar os acordos de resgate grego e impor um corte, para aproximadamente um terço da dívida do país”.

Apesar do estratega ver como improvável que a Troika aceite este último ponto , afirma que “a mudança de discurso e a disposição de alcançar acordos têm em vista as últimas semanas de negociações no caso do Syriza formar um novo governo”. Por outro lado assinala que esta formação poderia ser a força mais votada, mas provavelmente não iria conseguir uma maioria parlamentar ampla. “Ter que governar em coligação com um ou mais partidos poderá moderar mais as suas posições, enquanto a necessidade de formar uma coligação aprofundaria a incerteza e a volatilidade nos mercados gregos depois das eleições”, conclui.

Efeitos sobre os mercados

O especialista compara também a reação das obrigações e das ações gregas na atualidade face a 2012. Em primeiro lugar, recorda que faz dois anos que o medo dos investidores de um incumprimento se refletiu na forte correlação das obrigações com os países da periferia. “No entanto a recente ruptura da dita correlação indica que os mercados de obrigações percebem que os acontecimentos na Grécia são isolados e que o risco que implicam para outras economias periféricas é limitado”, diz.

No terreno das ações, Dryden assegura que “a exposição direta à Grécia dos principais mercados europeus é muito limitada”, dado que a 30 de dezembro de 2014, o Stoxx 600 incluía unicamente seis empresas gregas (cerca de 0,18% do conjunto do índice). Quanto a um possível impacto indireto refletido – como já aconteceu em 2012 - num forte castigo para os bancos, o especialista indica que “as instituições financeiras europeias reduziram para menos de metade a sua exposição ao endividamento dos sectores público e privado gregos desde 2011”, pelo que também não se deverá esperar um forte impacto nesta frente.

Estudando todas as possibilidades

De forma a que os investidores possam ter uma ideia de como devem reagir perante esta situação, os especialistas da AXA IM traçaram três possíveis cenários. O central contempla um acordo entre o novo Executivo e os credores internacionais para aliviar o peso da dívida grega sob uma série de condições.

Numa primeira fase, a retórica do governo grego será bastante radical, pedindo o perdão da dívida e rejeitando as condições aceites”, apontam no plano político. No financeiro, preveem que os credores da UE estejam abertos a restruturar outra vez os créditos estendidos à Grécia nos programas de resgate, sob a condição de que a Grécia complete o seu programa de reformas e devolva a dívida ao BCE”.

“Depois de muita polémica, incluindo o adiamento das retribuições da UE e do FMI e um aumento significativo da rentabilidade das obrigações, é recordado o suavizar das condições de reembolso da primeira tranche do resgate, que é politicamente menos sensível do que a segunda tranche, onde são implicados o Fundo Europeu de Estabilidade Financeira (EFSF) e o Mecanismo de Estabilidade Financeira (ESM) e, por esse motivo também a queda de rating”, continua.

Os especialistas creem que, adicionalmente, o ESM poderá abrir uma linha de crédito de emergência, com qual vai estar a comprar tempo para permitir que o país se possa financiar no mercado. Conclusão? “O lado grego afirma ser uma vitória nacional enquanto que os credores recebem uma 'pausa'”. Na verdade, da AXA IM acreditam que os líderes gregos se podem tornar mais conciliadores graças “ao anúncio do BCE de um grande programa de obrigações soberanas (podemos chamá-lo de QE), que inclua dívida grega, sendo assim mais fácil financiar o défice do país e ajudá-lo a voltar ao mercado a taxas não exorbitantes”.

A última conclusão dentro deste cenário é que seria anulada a tímida recuperação grega, ao ponto de acreditarem que os primeiros “botões verdes” não seriam vistos antes do final de 2016. Este cenário mostra que não se vai dar um efeito de contágio no resto da zona euro.

O segundo cenário traçado é de que não haja cooperação entre os políticos gregos e a Troika. Como consequência, as negociações alargar-se-iam mais do que o esperado, de que um primeiro acordo não chegaria até meados de 2015. “É algo mau para a Grécia e este cenário implicaria algum efeito de contágio sobre outros mercados financeiros da zona euro, mas não sobre a economia real”, concluem.

Finalmente, o caso mais extremo – que classificam como muito remoto – contempla que se produzam eventos políticos exagerados e altamente imprevisíveis que arrastem o país para um incumprimento da dívida que têm junto do BCE, podendo inclusive estar em cima da mesa a saída do euro. “Prevenir o contágio e as consequências da sua própria natureza estão nas mãos dos governos da zona euro e do BCE”, terminam da empresa, fazendo uma última alusão ao ano de 2010 como próximo deste cenário.