"Até 2016 é muito cedo para o BCE aumentar as taxas. Estamos longe da normalização"

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"Aparentemente, os mercados voltaram a 2007, mas trata-se de uma falsa imagem do ponto de vista macro, porque a economia ainda está longe dos níveis desse ano". Assim falou Didier Borowski, diretor de estratégia e análise económico da Amundi, num recente evento da gestora francesa. Borowski concentra grande parte do seu discurso nos aspetos atípicos deste recuperação económica. "É a primeira vez desde a Segunda Guerra Mundial, que o nível do PIB não se recuperou para o nível antes da crise, em 2007 . O processo de desalavancagem vai continuar. Levará muitos anos para reparar o ciclo na Europa", insiste. Também não ajuda que a despesa pública permaneça elevada, enquanto a procura doméstica continua fraca. O especialista observa que a Alemanha e a França se descorrelacionaram e não são os únicos países na Europa que o fizeram. "A fragmentação da união monetária é o pesadelo do BCE: a média dos países [tanto do núcleo como da periferia] não têm qualquer tipo de correspondência", acrescenta. 

Borowski detém no facto de que é "uma recuperação muito atípica, porque não tem inflação" . Esta falta de pressão de subida sobre os preços leva o especialista a prever que "o crescimento não será suficientemente forte para reduzir a taxa de desemprego ao longo dos próximos dois anos". Borowski não tem dúvidas que o BCE vai agir "muito rapidamente em termos de liquidez" para combater a volatilidade nas taxas e cortar pela raiz o mal da deflação. Algumas das opções que considera é a interrupção da esterilização do programa SMP (com o qual adquiriu dívida soberana dos países resgatados), a redução das taxas de juros para 0%, deixando em níveis negativos as taxas de depósito junto do Banco Central. No pior cenário possível, contemplado pelo especialista da Amundi - deflação e crescimento muito lento, até se poderá ver um programa de compra de ativos estilo QE, mas tanto ativos públicos como privados. "Todas as opções estão sobre a mesa", afirma Borowski. 

Estas políticas deveriam ser acompanhadas da estratégia de comunicação conhecido como forward guidance", mas de forma qualitativa". "O BCE não pode quantificar um objetivo de desemprego na Zona Euro", disse. Em vez disso, o especialista acredita que a autoridade monetária poderá adoptar um posicionamento muito acomodatício, antecipando as suas ações, mas sem fixar valores. "Até 2016 é muito cedo para o BCE aumentar as taxas. Estamos longe da normalização monetária", alerta. "Precisamos de mais inflação no núcleo da Europa, especialmente na Alemanha", conclui. 

O diretor de estratégia e análise económico da Amundi, apesar deste cenário, prevê que o crescimento mundial deverá aumente de 3% para 3,5%, devido à recuperação nos países desenvolvidos. Em grande parte devido a melhores condições nos Estados Unidos, país onde considera que os fundamentais antecipam novas subidas. "Todos os fatores são positivos para a recuperação, mas mesmo nos EUA o ciclo ainda é muito atípico: trata-se da recuperação mais lenta desde a Segunda Guerra Mundial", assinala o responsável da Amundi, que acredita que o país também está longe da normalização. 

 

Japão: cauteloso no curto prazo, positivo no longo

Borowski fala da situação no Japão, referindo que permanece cauteloso no curto prazo, uma vez que prevê que a subida do imposto equivalente ao IVA, em abril, traga volatilidade ao mercado. No entanto, mostra-se positivo no longo prazo, já que acredita que se está realmente a verificar "o princípio do fim da deflação". Com uma condição: o especialista espera que o Banco do Japão permaneça ativo na sua política de "reflação" (ter ao mesmo tempo subida forte nos preços e uma recessão) e que o Governo Nipónico anuncie novas reformas estruturais. Lembra ainda que esta história de recuperação tem sido apoiada por medidas quantitativas por parte do Banco Central e pelo aumento da despesa pública e do consumo (apesar dos salários não terem crescido). Contudo, o investimento privada não começou a aumentar até o último trimestre de 2013, o que justifica a necessidade de aumento dos salários e das exportações. "Caso contrário, seria uma catástrofe", adverte. 

 

Emergentes: "Já não existem, embora exista uma grande fragmentação"

Na sua análise por região, as últimas palavras de Borowski são para os países emergentes. "Já não existem, embora exista uma grande fragmentação", sublinha o responsável da Amundi, que acredita que já não podem fazer comparações entre países com esta classificação. A sua recomendação consistem em evitar os "suspeitos do costume" (África do Sul, Indonésia, Índia, Brasil, Rússia e Turquia), e expressa a sua crença de que "os emergentes voltarão a ser atrativos este ano", porque o binómio rentabilidade/risco "voltará a jogar a seu favor nalgum momento".

 

O que reflete a rentabilidade da obrigação do tesouro norte-americano a 10 anos?

Um dos sinais que confirmam a menor normalidade da recuperação é o facto da obrigação norte-americana a dez anos, com rating AA, estar cotada com um diferencial de apenas 84 pontos de base face à homóloga espanhola, classificada como BB. "As treasuries estão muito baixas, porque continuam a ser vistas como ativos refúgio. Mas, na verdade, espero que o rendimento da treasury aumente muito mais rapidamente do que o das bunds", explica Borowski. Além disso, o especialista observa que os retornos da dívida soberana, espanhola e italiana, a dez anos estão em níveis tão baixos que atraíram dinheiro dos investidores que estavam sob a máxima da procura por rendimento", embora isso não signifique que Espanha e Itália estejam fora de perigo". 

"Provavelmente, os mercados estão a reagir de forma exagerada a Espanha e Itália: não esperamos que os spreads caiam muito mais", diz o especialista, que afirma não estar "100% seguro de que Espanha recupere a alta taxa de crescimento que tinha antes da crise nos próximos anos". No entanto, não percepciona risco no país, ao contrário do que observa em França. Borowski destaca que nos últimos anos a situação económica gaulesa se desconectou da alemã. Diz mesmo que, em algumas métricas, Espanha se poderá aproximar mais da Alemanha do que a própria França e que este é o caso das exportações.