As dicas chave de um especialista, para saber como “navegar” pelo mercado de obrigações emergentes

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Simon Lue-Fong é um dos gestores de obrigações emergentes com maior reputação na indústria. Trabalhou com as equipas de dívida emergente para a Standard AM e Invesco. Gestor de investimentos desde 1991 - em divisas e obrigações globais – em 1996 montou o negócio de dívida de emergente na Fischer Francis Trees & Watts. Durante os últimos dez anos tem sido diretor de dívida emergente da Pictet AM, empresa na qual gere quatro estratégias: o Pictet-Global Emerging Debt, o Pictet-Emerging Local Currency Debt, o Pictet-Asian Local Currency Debt e o Pictet-Latin America Local Currency Debt. A gestora suíça mantém 20.000 milhões de dólares em obrigações emergentes, operando a partir de Londres, Genebra e Singapura. Lançou a sua primeira estratégia na classe de ativos em 1998, e em moeda local em 2006. Lue-Fong, recentemente em Espanha, deu a conhecer a sua visão e estratégia sobre esta classe de ativos. Desde há algum tempo que o gestor reconhece estar mais positivo em dívida de mercados emergentes denominada em moeda estrangeira, do que em moeda local.

Segundo explica, uma das razões para isso é o facto dos balanços estarem relativamente em bom estado, excepto em países como a Venezuela ou Ucrânia. “Não é previsível que aconteça uma crise ao estilo clássico, de incumprimento. O que se deteriorou foram principalmente as receitas, o que se relaciona essencialmente com a debilidade das divisas, onde os investidores têm estado numa posição incómoda. O que é facto é que as divisas dos mercados emergentes estão débeis há quase quatro anos”, assegura. Um desses casos é o real brasileiro, a lira turca ou o rand africano, em tendência de queda face ao dólar. Na base disto, diz, está o facto das exportações nominais destes países terem colapsado desde junho de 2011, e não terem recuperado. Desceram dois anos e mantiveram-se planas. “Como não há crescimento de exportações nominais é difícil que estas divisas tenham um bom comportamento. Há que ter em conta que as exportações nominais mostram uma elevada correlação com a produção industrial, com os índices de manufactura, com o PIB, e com as divisas destes países”, afirma.

A margem de manobra para crescer reduz-se nas divisas

Para além disso, o gestor aponta que duas das três ferramentas de fomento do crescimento – fiscal, monetária e de divisas – estão limitadas. Um desses casos é o Brasil. “Manteve uma política fiscal expansiva, que ainda não se ajustou, porque se o fizer pode perder a sua qualificação creditícia”. Outros países têm limitações regulamentares de endividamento ou défice público sobre o PIB. Desta forma, apesar do menor crescimento, pode haver pouco estímulo fiscal. Relativamente à política monetária, vários países, em maior ou menor grau, reduziram as taxas de juro e em alguns casos encontram-se em níveis baixos. Noutros, como é o caso do Brasil, da Turquia de alguma forma, ou da África do Sul, existe inflação e os seus bancos centrais têm objetivos a esse respeito. “Se querem manter a credibilidade não podem baixar as taxas de juro com a inflação fora do target.  Se o fizerem correm o risco de que o mercado venda os seus ativos por não aplicar políticas monetárias prudentes”.

A isto há que acrescentar que a Reserva Federal pode subir as taxas e muitos bancos centrais de emergentes não querem empreender políticas contra cíclicas a esse respeito. “Essa subida pode acontecer em setembro - ou de qualquer das formas antes do final do ano – o que representa um período demasiado curto para que a redução da inflação proporcione luz verde nestes países para um corte de taxas de juro”. Desta forma, a margem de manobra para promover o crescimento reduz-se basicamente à divisa, pois uma moeda mais débil estimula as exportações e melhora a balança por conta corrente. “Há que ter em conta que a maioria flui livremente e está a receber o ajuste, daí a debilidade. O nosso modelo indica que o conjunto de moedas emergentes negoceia a dois desvios padrões ou com um desconto de 20% relativamente ao preço teórico de equilíbrio, embora possam chegar a negociar num ponto ainda mais baixo, visto que as outras ferramentas de fomento do crescimento estão limitadas”.

A isto há que acrescentar a valorização do dólar, que se explica pelo spread da dívida em dólares face ao da dívida em euros, onde domina a expansão quantitativa (QE), daí a baixa cotação do euro face ao dólar. Para além disso, tem a ver também com os baixos preços das matérias primas, denominadas em dólares. “Há uma elevada correlação entre o dólar e um conjunto de divisas de mercados emergentes, com um comportamento semelhante ao euro/dólar. Desta forma, há elementos específicos por países e macroeconómicos que levam a pensar que estas divisas podem negociar em níveis mais baixos. Se o euro enfraquecer mais em relação ao dólar as moedas emergentes poderão fazê-lo em maior grau, ao tratar-se de uma classe de ativos com prémio de risco. A boa notícia para o investidor em euros é a maior rentabilidade por tipo de ativo. (ver gráfico 1).

Os cinco passos “Drill”

O objetivo de Lue-Fong é fazer crescer o capital em situações favoráveis e proteger quando é desfavorável. Desta forma dá igual importância a fundamentais por país – identificando melhorias ou deterioração de perspetivas a doze meses – e avaliação de risco global. “Uma vez decidido o país, devem existir catalisadores de comportamento a médio prazo: taxa de juro, volatilidade, inflação e políticas monetárias. Posteriormente analisamos a situação a curto prazo para determinar o momentum. Geralmente mantemos um ponto de vista estratégico, enquanto a decisão de investimento e o tamanho das posições dependem da convicção. Mas não é possível nem desejável estar totalmente investido em todos os momentos e, às vezes, em antecipação a um mercado em queda, é prioritário preservar capital. O gestor refere-se a um processo de cinco passos, que denomiam de “Drill”. Em que consiste?

“Quando os mercados estão a começar a debilitar-se o primeiro passo é deixar de comprar ativos  não líquidos, uma medida que não é especialmente agressiva nem arriscada, mas que nos faz prestar atenção. Se a situação piorar vendemos ativos não líquidos. Para além disso, quando existem grandes saídas, costumamos responder com uma venda de um volume igual de ativos. É um passo crítico, pois quando nos emergentes a liquidez se esgota não há um sítio refúgio. Se a situação se continuar a deteriorar adiantamo-nos às saídas, e em último caso, fazemos uso de operações proxy – mediante instrumentos monetários líquidos de mercados desenvolvidos com exposição a divisas relativamente ao índice de referência.

Gestão da divisa de maneira separada, inclusive com “proxy”

Lue-Fong gere as divisas de maneira separada e ativa, o que proporciona uma fonte de excesso de rentabilidade complementar. Atualmente a maior parte das posições curtas em divisas refere-se à América Latina, devido – deixando de parte o impacto dos baixos preços das matérias primas – à perda da produtividade, como no Brasil, por falta de reformas. “Para além disso há razões puramente específicas por países. Estamos curtos no real brasileiro, na lira turca, no rand sul-africano, no peso colombiano e em menor grau no peso chileno. Na Ásia estamos curtos  sobre o won coreano e no dólar de Tawain”. O gestor também se fixa em liquidez e, dependendo das condições, faz uso de operações “proxy”, mediante instrumentos monetários líquidos de mercados desenvolvidos correlacionados, mas de risco mais conservador. Assim, quando a liquidez é muito baixa ou em alturas de stress do mercado, assumem posições longas ou curtas (dependendo do potencial de upside ou downside) em taxas de juro de acordo com a evolução da dívida do Tesouro norte-americano.

“Se temos uma visão negativa sobre as taxas de juro locais, podemos vender dívida do tesouro dos EUA. O mesmo sucede com as divisas. Podemos subponderar divisas mediante a venda de euro/dólar. Pode haver risco de base (risco de correlação imperfeita nos dois investimentos em estratégia de cobertura, com mudanças nos preços em direções opostas às previstas), mas em 75% dos casos a relação esperada mantém-se. É uma atividade off-benchmark, que se destina a proteger a carteira ou a proporcionar liquidez de uma maneira frequentemente mais barata, rápida e líquida, facilitando que seja expressa a visão relativamente a uma operação ativa, da mesma maneira que com os ativos correspondentes, com níveis de stop e recolha de lucros. Em condições normais não é necessário acudir a estas operações. Outro exemplo que dá é a correção que existe entre o real brasileiro e o dólar australiano (proxy) entre 2008 e 2012, o que permitiu operar com a segunda divisa para expressar a visão em relação ao real.