Arranque do ano para os mercados: o relatório dos danos

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thetaxhaven, Flickr, Creative Commons

O ano não podia ter começado pior nos mercados de ações. As perdas foram substanciais e disparam as dúvidas dos investidores sobre a estratégia a seguir em relação ao futuro. O posicionamento das carteiras passou por mudanças significativas a partir do verão passado, altura em que estalou a crise chinesa, e já se antecipava o endurecimento da política monetária por parte da Reserva Federal dos Estados Unidos. A partir dessa altura, e apenas a partir dessa altura a direção dos fluxos mudou. As entradas em fundos de obrigações  e fundos mistos registadas no primeiro semestre de ano deram lugar a uma segunda metade em que os monetários e os produtos de gestão alternativa ganharam protagonismo, segundo os dados da Morningstar. Resta saber qual será a reação dos investidores europeus em janeiro, perante o nefasto arranque do ano vivido pelas bolsas.

O que é irreversível é o que aconteceu com as ações em 2016. Os números vermelhos espalharam-se pelo planeta. Não existiu escapatória. Nos Estados Unidos, o Dow Jones sofreu uma descida anual de 6,1%, percentagem similar à do S&P 500 (-6%), o que levou o índice para perto dos 3.000 pontos. Este pior comportamento explica-se pelo forte castigo sofrido pelas empresas alemãs, com um importante negócio na China. Na verdade, o DAX está a ser o mercado  europeu mais prejudicado neste arranque do ano, com um retrocesso de 8,3%. Seguem-se Milão (-7,2%), Paris (-6,5%) e Londres (-5,3%). O descalabro do Ibex 35 é de 6,6% com o sector dos serviços financeiros e o de imobiliários a serem os grandes prejudicados (-9%). É o pior arranque anual do Ibex 35 de toda a sua história. “O efeito que se observou nas bolsas mundiais provavelmente foi um reflexo dos investidores nervosos e preocupados com o crescimento na China”, dizem da Fidelity.

Em termos totais, desapareceram, numa semana, quatro biliões de euros das bolsas mundiais. O epicentro esteve no mercado de ações A da China, onde as perdas em 2016 rondam já os 20%. Na sessão de segunda-feira o índice Geral de Xangai voltou a fechar com perdas de 5,33%, enquanto que a de Shenzhen caiu outros 6,6%. Que factores explicam este comportamento?

Segundo Mike Shiao, diretor de investimentos da Invesco para a China, o mecanismo de curto circuito implementado pelas autoridades chinesas foi introduzido no momento adequado, já que se aplicou num momento em que os mercados estavam voláteis depois da da subida de taxas da Fed. “Este é um exemplo das consequências não desejadas da ação governamental. Como acontece noutros mercados jovens nos quais a presença de investidores de retalho é muito elevada (possuem mais de 85% do capital), muitas vezes as ações da classe A na China movem-se mais por causa do sentimento, do que propriamente devido aos fundamentais. Dada a dolorosa experiência vivida durante o verão passado, os investidores chineses entraram em pânico e optaram por vender as suas posições perante o risco de se verem “presos numa armadilha” vinda do sistema de curto-circuito. É evidente que o Governo ainda está aprender a construir um mercado mais estável e robusto para o futuro”.

Segundo Matthew Sutherland, diretor de gestão de produtos da Fidelity para Ásia, a ideia de que as quedas do mercado de ações A corresponde a uma perspetiva privilegiada sobre uma nova debilidade da economia chinesa é um raciocínio errado. “Não existe tal correção. Não há razão para pensar que os fundamentais puxam o mercado para uma tendência de queda, nem o contrário. A bolha das ações A não acabou ainda de encher, e tem de o fazer completamente. Este processo está a acontecer, atualmente, sem dúvida, mas ainda não ficou concluído. O PER do CSI 300 situa-se agora em 11,3 vezes enquanto que o índice MSCI China (representativo do mercado externo) é de 9,5 vezes. Não se poderá considerar que a bolha desinchou até que os dois PER estejam par a par. No entanto, isso é algo que ocorrerá em breve, ao seu ritmo. A verdade do que está acontecer na economia chinesa não tem contornos tão dramáticos assim. A China está a desacelerar, não a colapsar”.

A resposta dos mercados de obrigações

Nos mercado de obrigações, o comportamento registado neste arranque do ano também foi agitado. Os preços das obrigações investment grade e high yield sofreram, especialmente no que toca a esta última classe de ativos. Isso é evidenciado pelo facto dos principais ETF de high yield terem caído para mínimos de há sete anos, com o SPDR Barclays High Yield Bond, o fundo cotado de State Street Global Advisors – o maior do mundo – ter experimentado uma queda de valor dos ativos superior aos 1.000 milhões de dólares, segundo dados da Bloomberg. O maior medo dos investidores relativamente ao high yield é alimentado diretamente pela China. Um arrefecimento maior da economia poderá acrescentar pressão sobre o preço do petróleo, com os consequentes efeitos que isso possa ter sobre as empresas vinculadas ao sector energético, sobretudo tendo em conta o peso que têm no índice americano (15%). Neste momento, o mercado desconta níveis de default neste segmento, na ordem dos 50%.

A isto há que acrescentar os problemas de liquidez que atravessa este mercado, o que é algo que reconhecido pelos próprios gestores de high yield. Esta situação tem feito com que estes profissionais tenham vindo a modificar a sua política de investimento, reservando uma maior percentagem da carteira para liquidez, para poder fazer face, sem dificuldades, aos possíveis resgates, mas também de forma a aproveitar as oportunidades de investimento, caso estas apareçam. No resto dos mercados de obrigações a situação é mais tranquila. No que diz respeito à dívida pública, por exemplo, a rentabilidade das obrigações alemãs a 10 anos mantêm-se nos 0,5%, o mesmo nível que fechou no ano passado.