Ações norte-americanas vs europeias: O que se passou nos mercados durante este verão?

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Raffaele Camardell, Flickr, Creative Commons

Nem Trump, nem Coreia do Norte. A autêntica protagonista do verão – pelo menos em ações – tem sido a volatilidade: o índice VIX chegou a perder os 10 no final de julho, pondo um ponto final no excesso de complacência dos mercados. A escalada das tensões geopolíticas impulsionou posteriormente o também conhecido como indicador do medo em cerca de 30%, embora tenha chegado a experimentar um aumento de 65% desde esses mínimos históricos (a 11 de agosto cotou a 15,1 pontos). Entretanto, os principais índices da bolsa americana têm continuado a renovar máximos históricos: o S&P 500 chegou a negociar a 2.476 pontos a 4 de agosto, dia em que o Dow Jones superou a barreira dos 22.000 pontos pela primeira vez na sua história; no passado dia 1 de setembro, o Nasdaq 100 alcançou o nível de ataque cardíaco dos 5.987 pontos.

Na Europa, os índices têm dado maiores mostras de sinais de sazonalidade: o EuroStoxx 50 e o Cac 40 perderam menos de 1% desde 30 de junho, enquanto que o DAX alemão perdeu cerca de 5% desde o máximo histórico que marcou o dia 9 de junho em 12.815 pontos e cerca de 1,50% desde o dia 30 de junho. O Ibex tem sido o indicador mais castigado, com perdas de 3% desde 30 de junho. Por cá, o PSI-20 manteve-se à margem destas quedas, recuando apenas cerca de 1,5% face aos últimos máximos do índice.

Desta forma, os investidores começam setembro com as mesmas perguntas que deixaram em suspenso no início do verão: quanto tempo mais pode durar o bull market? Estão as valorizações a começar a ser exageradas? As gestoras internacionais veem, por outro lado, oportunidades dentro do universo. Por exemplo, a Pictet AM sobrepondera as ações europeias e asiáticas – não os EUA – no contexto atual de crescimento económico e estímulos monetários ainda em marcha.

“Há que ter em conta que a recente correção tem levado as valorizações para um nível mais atrativo, com margem para subir até final de 2017, especialmente na Europa e partes da Ásia”, comenta Luca Paolini, estratega chefe da entidade. Este recorda que as ações mundiais “negoceiam a pouco mais de 15 vezes lucros por ação, dentro do intervalo histórico e oferecem rentabilidades por dividendo de 2,5%, quase o dobro da rentabilidade das obrigações globais”. No entanto, o estratega acredita que “as ações dos EUA são pouco atrativas, cotando ao nível mais alto desde 1999 por preço/lucro esperados e com uma capitalização sobre o PIB – a medida favorita de Warren Buffett – em 1,33, próximo de máximos desde o ano de 2000”.

A BlackRock também prefere ações face a obrigações no seu posicionamento estratégico e, por regiões, favorece a Europa, Japão e emergentes em detrimento dos EUA. A entidade vê margem de subida para o factor momento e para o sector tecnológico “embora com potencial para correções bruscas”, e também gostam do factor value e nomes financeiros de forma selectiva. Para além disso, a entidade defende que o investimento em ações vá continuar a aportar valor para os investidores, num contexto em que a “rentabilidade historicamente baixa das obrigações soberanas provavelmente está para ficar”, alimentada por factores estruturais como o envelhecimento da população, o medíocre crescimento da produtividade ou o elevado endividamento governamental. Os analistas da gestora esperam que as rentabilidades das obrigações a longo prazo “subam gradualmente durante os próximos cinco anos, mas manter-se-ão abaixo das suas médias históricas”.

Isto tem influência direta sobre a valorização das ações, que também não teriam porque reverter-se para a média. Dão como exemplo as ações norte-americanas, que de acordo com métricas como o PER se encontram no quartil mais caro da sua história... e ainda assim oferecem yields mais atrativas do que as obrigações. “Os lucros corporativos estão em recuperação, enquanto que as taxas de longo prazo se mantêm baixas por factores estruturais e pela abundância de poupanças a nível global. Vemos menos razões para esperar que as métricas de valorização das ações regressem à sua média histórica num mundo como este”, afirmam os especialistas da BlackRock.

Na gestora apontam como principal risco neste cenário a aparição de qualquer tipo de políticas que acabe com as tendências atuais de margens  altas e crescimento historicamente baixo dos salários. De qualquer das formas, a sua conclusão é de que “os investidores estão a ser recompensados por assumir risco via ações tendo em conta o contexto de taxas baixas, especialmente no caso das ações norte-americanas”.

Algumas palavras sobre a Europa

A aceleração da recuperação económica na Europa desde o começo do ano – juntamente com a dissolução dos riscos políticos – está a fazer com que as ações europeias tenham passado de patinho feio a cisne, aos olhos dos investidores. Matthew Siddle, gestor do fundo Fidelity FF European Growth, faz algumas considerações a esse respeito. “Este ano o mercado tem preferido as ações europeias com elevado risco e baixa qualidade, e as pequenas e médias capitalizações com um momentum elevado, sem prestar atenção à valorização”.

O representante da Fidelity continua positivo em relação ao contexto económico no curto prazo e afirma que a Europa está melhor posicionada agora no ciclo económico do que os EUA. Fixa-se no facto da taxa de desconto requerida aos investidores em ações norte-americanas só ter sido inferior durante o pico das dot.com. “A Europa também parece justamente valorizada em termos generalizados, mas ao menos parece atrativa em termos relativos, particularmente pelo prémio que oferece face às obrigações”, comenta Siddle.

No entanto, alerta que “tanto as surpresas macro como as revisões sobre os lucros se têm tornado negativas recentemente”. Há que recordar que os investidores têm visto justificação nas valorizações por causa da força do contexto macro, do crescimento dos lucros, e por causa do apoio continuado dos bancos centrais ao proporcionarem liquidez à economia. Aos olhos de Siddle, “parece sensato ser um pouco mais cauteloso numa altura em que os indicadores adiantados fora da Europa estão a abrandar, as revisões de lucros são negativas dentro da Europa e globalmente, e num contexto em que os bancos centrais se tornam mais hawkish, o que parece ser o caso”.