A Gestão de Riscos Financeiros em Ambiente Solvência II

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Optimind Winter

(TRIBUNA de André Frazão, Partner na Optimind Winter)

Para os investidores institucionais de primeiro plano no financiamento da economia, nomeadamente as companhias de seguros e fundos de pensões, a regulação sofreu alterações no sentido de tomar explicitamente em conta os riscos financeiros da gestão empresarial. Os mecanismos criados no âmbito do Solvência II, como por exemplo, a estrutura geral do cálculo da exigência regulamentar de capital através da fórmula padrão, ilustram claramente este fenómeno.

Ao contrário do senso comum, o risco financeiro não é necessariamente visto como algo negativo pelos investidores que tentam obter retorno. Um ativo de risco poderá levar a uma perda de capital, ao mesmo tempo, oferecendo oportunidades para ganhos superior, se comparado com um ativo isento de risco. Neste sentido, o risco é indissociável da noção de performance e rentabilidade.

Os produtos financeiros que existem no mercado estão sujeitos a vários riscos. Entre os riscos financeiros mais comuns, é possível definir três categorias:

  • os riscos relacionados com as variáveis do mercado (risco de mercado, risco cambial, etc.);
  • os riscos relacionados com os participantes do mercado (risco de crédito, risco de liquidez, etc.);
  • os riscos relacionados com a organização dos mercados ou com os próprios processos de cada operador (risco operacional, risco sistémico, etc.);

A Diretiva Solvência II integra, de uma forma mais direta, e explícita, os riscos associados com a detenção de ativos financeiros no cálculo do requisito da margem de solvência. A noção de risco financeiro encontra-se refletida através dos três pilares da Diretiva.

A fórmula padrão do Pilar 1 compreende os requisitos quantitativos, no que respeita ao cálculo do requisito de capital de solvência (solvency capital requirement ou SCR) e abrange a maioria dos riscos associados aos ativos financeiros, utilizando um conjunto de sub-módulos de risco dentro do “módulo geral SCR Mercado”. A aplicação destes módulos de risco depende do tipo de ativos financeiros detidos em carteira. A fórmula padrão do SCR Mercado mede o impacto dos riscos financeiros sobre os capitais próprios através da aplicação de choques. Estes podem ser aplicados, como exemplo, diretamente sobre o preço do ativo, ou indiretamente, sobre a taxa de juro ou o spread.

Como principais limitações da fórmula-padrão, no que respeita aos riscos financeiros, destacam-se:

  • A estrutura do SCR Mercado, não exaustiva nem totalmente adaptada aos riscos inerentes a uma entidade seguradora específica.
  • A escolha da magnitude dos choques pela calibragem da fórmula-padrão. A mesma nem sempre se afigura como adequada aos riscos efetivamente incorridos pela seguradora.

A estrutura específica dos riscos incorridos por uma companhia de seguros ganhará melhor reflexo no âmbito do Pilar 2, que compreende os requisitos qualitativos. A forma para isto se materializar é através do processo de autoavaliação do risco e da solvência (ORSA), rebatizado de FLAOR - Forward Looking Assessment of Own Risk, desde a publicação das medidas transitórias em Setembro de 2013. Neste contexto, a companhia deverá determinar o seu próprio perfil de risco, incorporando:

  • Os potenciais riscos que não se encontram abrangidos pela fórmula-padrão, devido às limitações supramencionadas desta.
  • Uma ou várias métricas, assim como um período de tempo adequado para tomar em conta os objetivos estratégicos da companhia.

A noção de risco relacionado com a detenção de ativos financeiros está igualmente presente no Pilar 3 da Norma. Este Pilar compreende a transparência e a disciplina de mercado. As companhias deverão fornecer relatórios detalhados sobre os ativos em carteira. As demonstrações também definem a transparência dos fundos de investimento, e algumas são dedicadas aos produtos estruturados e derivados.

Com a entrada do novo regime Solvência II a gestão de riscos tornou-se mais complexa para as seguradoras. Para sustentar o seu negócio, estas devem prestar atenção à composição das suas carteiras de ativos e limitar os riscos a que estão expostas. Para isso, poderão utilizar instrumentos financeiros que lhes permitam cobrir parte do risco, ou optar por transferir a terceiros, por meio de resseguro ou titularização. Na realidade, é possível limitar o risco financeiro desde a composição da carteira de ativos, seguindo uma estratégia de investimento adequada.

Uma das estratégias mais simples, mas essencial é a diversificação. Esta permite reduzir a exposição da carteira aos riscos específicos associados a uma determinada classe de ativos, um país ou a um subsetor. A diversificação torna-se assim uma etapa obrigatória, imposta pela regulamentação. Mas as seguradoras deverão ir mais longe e estabelecer uma estratégia de investimento completa para conciliarem os seus objetivos de rentabilidade com os constrangimentos originados pelas interações com as suas responsabilidades. Essas estratégias, tais como o matching dos cash flows, o matching em duração, ou outras, ficam à discrição de cada companhia.

O Solvência II alterou profundamente a abordagem cultural acerca da gestão e do controlo dos riscos financeiros assumidos pelas seguradoras. Estas terão de prestar mais atenção ao seu requisito de capital e adicionar um terceiro componente para o seu tradicional dilema risco-retorno: o custo do capital regulamentar.

Em termos práticos, as seguradoras deverão testar diferentes cenários para tomar a melhor decisão, com o objetivo de obter o melhor retorno financeiro, expor-se a um risco mínimo e garantir um nível de capital regulamentar satisfatório.

Neste novo ambiente regulamentar, os produtos de cobertura irão desempenhar um papel fundamental na redução do custo de capital relativo ao risco de mercado. As seguradoras irão ainda monitorizar o requisito de capital relativo aos outros riscos, tais como, o risco de crédito da contraparte e garantir que a cobertura não irá custar mais do que o ganho em capital próprio que esta permite realizar.

Podemos concluir que as seguradoras enfrentam os mesmos riscos financeiros que qualquer outro investidor. Estas também têm à sua disposição as mesmas ferramentas de cobertura por meio de vários produtos disponíveis nos mercados financeiros. No entanto, devido aos riscos inerentes às suas atividades, os intervenientes do sector deverão cobrir os requisitos originados pelas responsabilidades através de complexas estratégias de investimento em ativos adequados, com o especial cuidado de facilitar as interações “ativo-passivo”.